Reconheço um ganho em qualidade de vida ao ter o trabalho transferido da Marginal Tietê para a região central. A começar pela proximidade de casa e a economia de R$ 4,40 diários, o que totaliza praticamente R$ 100,00 mensais - pois agora a mesma 1h20min que eu levava para ir a pé do trabalho para casa eu gasto para ir e voltar. Me dou por satisfeito com essa caminhada, e isso me permite a economia de outros R$ 150 de academia.
Afora essas vantagens monetária (já que o salário segue o mesmo) e temporal, que no fundo, conforme Benjamin Franklin, é tudo dinheiro, é na hora do almoço que o local de trabalho faz toda a diferença.
Na Marginal, começava que tínhamos três opções de almoço nas cercanias - uma barata, uma média-cara e uma cara, nenhuma muito boa -, e para o restante do tempo de almoço, a opção mais interessante era ficar contemplando o rio Tietê devidamente retificado, frequentado por brilhantes animais metálicos, sob o sol escaldante de ésse pê - o que talvez inspirasse poemas parnasianos em Marinetti ou em Mishima (ainda que não veja Mishima escrevendo poemas parnasianos, a não ser, talvez, com as próprias vísceras). Como não sou futurista (nem passadista), nem poeta (mesmo calado), nem fiz o curso de Ikebana e Harakiri do Anti-Espaço Cultural Casa de Lego* na época da Universidade, esse tipo de bucolismo urbano não me comove tanto...
O melhor mesmo de trabalhar pelo centro fica por conta das opções do que fazer para completar o horário de almoço. Sempre acompanhado de Macedo, meu nobre colega, e às vezes algum (ou alguma) outro colega, não menos nobre, mas que não se chama Macedo, saímos para ver exposições, passear por lojas (a 25 é logo ali, e nós evitamos), ou mesmo só zanzar vendo a fauna citadina pedestre.
Quando nos centramos nas compras, invariavelmente sabemos distribuir nossas necessidades desnecessárias ao longo do mês, para estarmos sempre necessitando de algo: um estimulante modo do salário frugal garantir que não caiamos no tédio nem no consumismo desenfreado.
Um dia saímos para fazer uma pesquisa de preços; no outro, para pesquisar outros produtos, que podem ser mais interessantes, diante das limitações monetárias. É na sequência que decidimos ir às compras: uma chave de mandril num dia, um jogo de três cuecas no outro, um odorizador de guarda-roupas no terceiro, um copo retrátil no quarto. E assim vamos, eu e Macedo, meu nobre colega, como se fôssemos dois barões do café esbanjando dinheiro, ou como se fôssemos Estragon e Vladimir esperando Godot: "a gente sempre inventa alguma coisa para ter a impressão que a gente existe", no caso, a gente inventa algo pra comprar.
Os dias mais interessantes (e perdulários) costumam ser os que vamos à zona, o que costuma acontecer três vezes por mês: duas para comprar ervas, castanhas, frutas secas, ervilhas com wasabi e coisas do tipo, outra para ver se há promoção de cerveja e comprar queijos. Sim, eu sei que a zona cerealista não é tão grande, e poderíamos fazer a compra dos queijos, cervejas, das ervas e das passas numa vez só, mas precisamos fazer o tempo render.
E se acaso não temos o que comprar - ou meu orçamento do mês já está comprometido -, Macedo, meu nobre colega, sempre tem suas barras de gergelim para repôr em sua gaveta. Felizmente, até hoje ele nunca atentou que elas terminam num ritmo um pouco desproporcional ao que ele costuma comer...
02 de dezembro de 2022
* Piada retomada da época do Trezenhum. Humor sem graça. Quem acompanhou na época e/ou leu o livro (ainda tem para vender), entendeu.
PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.
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