São
sete e meia da noite de uma terça-feira qualquer. Não chove mais,
faz frio. Na Paulista, em direção ao seu início, umas vinte
pessoas ocupam uma pista da avenida com um protesto pelo “Padrão
Fifa na educação”. Entendo o motivo da manifestação: educação,
não resta dúvida, é importante – e não apenas porque agora
viveríamos numa pretensa sociedade do conhecimento, como apregoam na
mídia. Entendo também o slogan do “padrão Fifa”. Desconfio,
contudo, que a profundidade dos manifestantes sobre o assunto seja a
mesma do slogan: o que seria o tal padrão Fifa? Aulas iguais para
todos os alunos de todo o território nacional, seguindo os
parâmetros curriculares da Suíça? Uma educação pasteurizada, sem
qualquer identidade, destruidora de identidades, mas com alguns
recursos a mais? Os alunos ficarem mais tempo na escola, como não
fazem na Finlândia? É preciso uma discussão ampla sobre o
papel e os objetivos da educação, para então discutir os métodos.
Claro, começar com um aumento nos investimentos, principalmente no
salário dos professores, é um imprescindível começo. Porém, mais
sensato seria defender o “padrão Felipão” de salário para
professores da rede pública de ensino básico. Contudo, como cartaz
divulgado: “os protestos não são contra a seleção, são contra
a corrupção”. E seleção brasileira, CBD, toda nossa cartolagem,
com Marins, Teixeiras, Petraglias, Sánchez, são exemplos notórios
de pessoas ilibadas.
Na
mesma hora, na mesma avenida, mas na direção contrária, um grupo
um pouco maior – uma sessenta pessoas? – atravanca a avenida e o
obriga o trânsito a ser desviado. De início o protesto é contra o
pastor Feliciano. Talvez por não estar angariando o apoio esperado,
resolvem mudar o grito para “Vem para a rua, vem, contra o
governo”. A nova jabuticaba tupiniquim, os “sem-partido com
partido”, que prega a união nacional sem fissuras e sem
divergências. Recém havia trocado mensagens com uma amiga, sobre a
manifestação de sexta contra o político do PSC, e meu receio (na
verdade, escaldo) em participar dela era ir para uma manifestação e
acabar engrossando outra, diferente, quando não de bandeiras opostas
às que defendo ou simpatizo.
No
vão do MASP, outra manifestação: não caminha, tem mais vulto, tem
discurso. Se bem entendo, é dos movimentos sociais – não sei se
diretamente ligados, mas o discurso pegava carona nos protestos
feitos pela manhã, em três locais da periferia de São Paulo. A
moça que tem a palavra fala do descaso da mídia para com as
manifestações organizadas das pessoas marginalizadas – mesmo
depois do abraço da Grande Imprensa ao protestos da semana passada.
Tenho a impressão de que conheço a moça, do DCE-Unicamp-Psol e
eleições campineiras. Mesmo que não seja, me bate uma tristeza ver
que estou quase defendendo uma turma abertamente corrupta (frauda
eleições estudantis para manter um naco ridículo de poder, por
exemplo [http://j.mp/137E1uP]), por sentir necessidade de me opor ao
movimento fascistóide que tomou a Paulista, dia 20.
Por
falar em corrupção, se a direita soube se aproveitar da
movimentação levantada pela esquerda, essa não soube pôr suas
bandeiras nas vagas indignações daquela: sejamos todos contra a
corrupção: além de prisão para os corruptos, por que não
expropriação das empresas corruptoras em favor dos seus empregados?
Um ano e o Brasil se tornava uma república proletária como nunca
visto antes no mundo.
“Essa
meia dúzia de gato pingado dava pra ter feito o protesto na Santos,
não precisava ser na Paulista”, ouço dois transeuntes
conversando. Um mês atrás aposto que essa frase seria sensivelmente
diferente. Até agora, me parece que o principal legado dos atos
agitados pelo Movimento Passe Livre em São Paulo tenha sido o de
quebrar com a noção de ordem que prevalecia na opinião geral, muito próxima da ordem ditatorial:
trancar rua e atrapalhar trânsito com protesto era coisa de
baderneiros, caso de polícia e porrada; agora, apesar de incomodar,
é aceito como legítimo, não merece mais esse tipo de
desqualificação e tratamento. A rua – em São Paulo, a avenida
Paulista – passou a ser aceita como um espaço de disputa política. Mais: a política passou a ser aceita – talvez mostrando esgotamento não do Lulismo, antes da tecnocracia posta pelo tucanato, seguida pelo petismo, defendida pela Grande Mídia. Se manifestar
no mundo real, fora do Fakebook, passou a ser aceito como parte do
jogo político – seja para se opor ou para defender a ordem, ainda
que os gritos sejam sempre de “contra”. Claro, há quem se oponha
ao diferente, mas eles são minoria (ainda que muito bem
organizados).
Ponto
positivo nas ocupações deste dia vinte e cinco: contrariamente ao
ato do dia 20, as diversas manifestações que presenciei se
organizaram por conta (não pegaram carona em uma maior), gritavam
suas reivindicações e não tentavam calar as demais. Havia,
portanto, espírito democrático nelas. Ao mesmo tempo, me ponho a
questão: quanto tempo vão durar essas manifestações etéreas,
organizadas e com a participação de pessoas que não tinham o
hábito da rua como local político – e, creio eu, nem da política
em local algum, fora da cabine de votação, no máximo dos comentários em blogues? E, principalmente, me
pergunto quanto tempo vai durar essa percepção de manifestações
de rua como legítimas em uma democracia. Se perdurar tal visão, será um passo
importante para, quem sabe um dia, deixemos de ser uma mera
democracia pro-forma, tal qual hoje.
São Paulo, 26 de junho de 2013.
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