quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Reformas das calçadas do centro sentidas no trabalho [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Há um meme na internet que põe três variáveis para os serviços, nos quais só se pode escolher dois: ser rápido, ser barato e ser bom. Se é rápido e barato, não é bom; se é rápido e bom, não é barato; se é barato e bom, não é rápido.

O meme é engraçado e quase realista, ainda que às vezes ele se equivoque: dá para algo ser lento, caro e ruim. Parece que as reformas da prefeitura nas calçadas do centro de São Paulo seguem essa conjunção de tudo do pior.

Ainda que, penso agora, a questão de rápido ou lento não seja exatamente um ponto: o importante é que as obras fiquem prontas na antessala da eleição, para o prefeito mostrar que fez algo, mesmo que tenha sido uma obra inútil e que serviu para fechar ainda mais lojas de um centro cujo comércio já estava devastado pela pandemia.

Mas os reflexos para os prédios da região também não foram menos desastrosos - ao menos no edifício onde trabalho. Comentei alhures da vez que a filha de uma funcionária meteu um “banheiro interditado” que obedecemos fielmente por uma semana, até descobrirmos que nunca esteve; também falei das marcas de animais na porta da cabine, provavelmente de algum mamífero que sobe pelo ralo ou retrete [https://bit.ly/cG230706]. Pois essas obras pelo centro fizeram relembrar dessas historietas, com agravantes.

Para além da barulheira que se estendia há mais de mês, com marretadas, britadeiras e máquinas cimenteiras disputando o ambiente sonoro com músicos, pregadores e esmurradores de bíblia, a coroação foi quando deram a obra em frente por encerrada.

Dois dias depois, um dos banheiros do andar foi interditado. Dia seguinte, o outro banheiro do andar e banheiros de outros andares também foram interditados. Ainda assim, recebemos notícia da chefia, dizendo que usássemos os banheiros dos andares que ainda não estavam entupidos (os mais altos), e seguíssemos normalmente com os trabalhos. Assim se tentou fazer, mas esse terceiro dia praticamente todos os banheiros do prédio foram sendo interditados, um depois do outro, com animais e excretas fugindo das retretes dos andares mais baixos. Para evitar que se tornassem chafarizes de merda, cortaram a água do edifício também. A contragosto das chefias, os funcionários foram mandados para casa no meio do expediente. No quarto dia, sexta-feira, fizemos todos teletrabalho, para desespero dos chefes, que assim podem comprovar que rendemos tanto em casa quanto de corpo presente.


Dado esse festival de interdições, investigação vai, investigação vem, e os banheiros seguiam entupidos, nada descia, pelo contrário, muita coisa subia. Foi no domingo que descobriram o que havia acontecido: na reforma das calçadas, haviam obstruído a saída de esgoto do prédio.

Conseguiram desobstruir a tempo para terça-feira voltarmos no meio do expediente. Ponto para a prefeitura, rápida nesse momento, deixando apenas como efeito colateral britadeiras destruindo o resto da calçada recém feita para adequá-la às saídas de esgoto do edifício.

Da nossa parte, lamentamos duas coisas: a velocidade com que resolveram esse problema  - sempre dizem que destruir é fácil e rápido -, e o fato de não haver reformas do tipo na frente da casa do chefe.


15 de agosto de 2024.


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Sanspaieux, a professora com um sonho da casa própria em SP [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


Vida de professor não é fácil. Brotinho tem uma amiga, a Sanspaieux, que é professora da rede pública há vários anos. Dava aula no estado, prestou concurso da prefeitura, prometendo a si própria que se passasse iria comprar um apartamento e sair do aluguel. 

Pois passou - e foi fazer as contas para a casa própria. Descobriu que com o novo emprego até conseguiria pagar as prestações, porém não conseguiria mobiliá-lo - e sabemos que nos apartamentos de hoje em dia, se não for móvel sob medida, você não cabe na casa, simples assim. Solução: manter os dois empregos por um ano. Como era pouco tempo, decidiu encarar essa aventura.

Pois surgiu um novo problema: uma escola na zona leste, a outra no extremo sul: não tinha como chegar a tempo no segundo emprego se não tivesse carro. Decidiu, então, comprar um carro. Comprou um celtinha usado, inspirado num deputado que - esperamos - será o novo prefeito de São Paulo. 

Claro, que isso não poderia acarretar um novo contratempo: para pagar o carro e mobiliar a casa, precisaria ficar dois anos - e não mais apenas um - com dois empregos. Quem aguenta um, aguenta dois, pensou, e seguiu firme na sua promessa de casa própria.

Como já teria o carro, resolveu comprar um apartamento em algum lugar bem localizado, na região central, perto das coisas que ela gosta de fazer, e não perto do emprego. 

Tudo ia bem para Sanspaieux - salvo sua saúde física e mental -, saindo de casa às seis e meia da manhã, voltando sete da noite, com reunião às sete e meia duas vezes por semana. Isso até seu celtinha deixá-la na mão. E não foi de uma vez. Num dia, furou o pneu. Foi atrás de borracheiro e chegou em casa quase dez da noite. Dois dias depois, o carro pifou de vez. Chamou o mecânico, que avisou que iria precisar de no mínimo sete dias úteis para consertar. Nos relata ela seu diálogo epifânico:

Mas, moço, eu preciso do carro para trabalhar!

Você trabalha com o que?

Sou professora.

Ah, achei que fosse Uber. Vou pôr o seu como semi-prioridade, mas antes de quatro dias não fica pronto.

Pelas suas contas, como ela mora longe dos dois trabalhos, até poderia ir de transporte público ao primeiro emprego, saindo uma hora antes, depois teria que pagar uber para o segundo emprego, e na volta, novamente transporte público, chegando cerca de nove da noite em casa. Inviável, não só pela questão do tempo, como pelo gasto com uber, que comeria o que ela ganharia no mesmo período com um dos empregos e mais um pouco. 

A solução foi dada pela conversa com o mecânico: alugar um carro e fazer Uber nos trajetos e mais uma horinha depois do expediente. Assim o fez. Problema: se com isso ela quase conseguiu fechar o aluguel do carro, para pagar o conserto do seu celtinha vai precisar fazer mais um tempo de Uber, para complementar renda - mesmo odiando dirigir, ainda mais em Éssepê, não sendo alguém que se anima muito em conversar com estranhos (ainda mais essa galera que fala merda pelos cotovelos, já xingaram professores umas três vezes, nos conta, quase em lágrimas), e estando cansada de tanto trabalhar. 

Ela tenta se conformar: é só por dois meses. Sanspaieux merecia ser entrevistada em qualquer um desses podcast de coach, mesmo sem ser uma, para ensinar resiliência e pensamento positivo - ou auto-engano, como preferir. Ao menos ela tem sua casa própria!


01 de agosto de 2024.


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.