quarta-feira, 21 de maio de 2025

Acho que recebi um elogio [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Acho que recebi um elogio, não sei bem.

Macedo está de férias, tem feito falta. Não apenas por saber tudo do trabalho, como por ser um bom ouvinte - ainda que involuntário. Na falta dele, os colegas tagarelas que o cercam vão atrás de novas vítimas, digo, novos interlocutores. 

Hoje fui cercado pelos indivíduos que sentam à frente e à esquerda de Macedo, Mello, o colega que oferece chocolate e depois cobra um preço por isso (escutá-lo se repetir e se repetir e se repetir várias e várias e várias vezes por dia) e Pacheco, respectivamente. Costumo estar sempre de fones de ouvido, justo para tentar evitar certos tipos de interpelação, digo, de interação, e hoje cometi a séria falha de, após responder a uma questão de trabalho, não subi-los imediatamente. Foi a deixa. Já que estavam falando de música, julgaram que nada melhor que chamar o colega sempre com fones para a conversa.

Papo vai, papo vem, eu não conseguia achar uma sobra de respiro para voltar ao trabalho - por mais que estivesse enfadonho. E lá iam eles falando sobre punk, pós-punk, new wave, skate rock, e eu só ouvindo. Se me perguntassem, capaz de eu dizer que gostava apenas de Chico, Vandré, Gil, Caetano, Arrigo, só para conseguir fugir da conversa - e quem disse que me perguntaram?

A certa altura, com uma meia hora de parlatório, entraram no assunto Iggy Pop - ambos muito fãs. O colega do chocolate-com-papo (que aceitei desta feita, porque o papo já tinha chegado, ao menos pude aproveitar o chocolate) contou que foi no show de 2009 e fora muito bom.

Eu bem queria ter ido, mas era menor de idade na época - respondeu Pacheco.


Foi quando ao menos consegui participar da conversa.

Fui em 2005 e foi muito louco! Ele pulou no meio da galera, depois chamou para subirem no palco, pegaram o microfone dele para cantar I wanna be your dog, e os seguranças totalmente perdidos.

Que idade você tinha para conseguir entrar no show em 2005? - perguntou, incrédula, Pacheco

Contei minha idade, e ela se mostrou estarrecida:

Julguei que tivesse a minha idade, entrando nos trinta.

Não, já passei dos quarenta.

Nossa, então você até que está conservado!

Fiquei tentando entender o porquê de ter me subtraído mais de dez anos. Seriam minhas roupas sem passar? Meu corte de cabelo diferentex? Não sei, e não tenho Macedo aqui para perguntar. Mas nas entrelinhas foi possível ler: se para quarenta eu estava “até conservado” (feito um picles?), para o trinta que ela (e quantos mais no setor?) achava que eu tinha, devo estar só o pó da rabiola. Não tiro a razão. 


21 de maio de 2025

 

Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas

quinta-feira, 15 de maio de 2025

A concomitância das eleições e a tentativa de despolitizar (ainda mais) a sociedade

Considerado prioridade para 2025, tramita no Senado uma proposta de emenda à constituição que, dentre outras coisas, unifica as eleições no país - esferas federal, estadual e municipal, executivo e legislativo, todos de uma vez. 

O argumento é que as eleições são um custo direto e indireto para a sociedade: direto nos valores que a votação mobiliza, “consome recursos públicos escassos, num país em que necessidades prementes da população não foram ainda devidamente equacionadas”, segundo o senador Marcelo Castro (MDB-PI), como se o dreno de recursos públicos fosse as eleições e não a bolsa-milionário que o governo paga; indireto por “não dar descanso ao eleitor”, como falou o senador Otto Alencar (PSD-BA). No fundo, esse “descanso da política” é uma forma de priorizar a economia, pois a política desvia - ao menos teoricamente - a sociedade para assuntos de interesse coletivo, como prioridades, projetos e que tipo de sociedade, de cidade almejamos. Ou seja, eleições correm o risco de politizar a sociedade e prejudicar o status quo, fazer questionar a visão da economia que se pretende acima da política, ou seja, acima das lutas e contradições que o fazer da história impõe.

Numa sociedade de democracia de baixa intensidade, conforme Boaventura de Sousa Santos, as eleições servem, ou melhor, podem servir como um raro momento de educação e discussão política, fora da pauta introduzida pelos donos do capital (atualmente não apenas servidos pela mídia corporativa, como donos de boa parte dela), e trazer questões de interesse da sociedade como um todo para a ribalta - ainda que as pautas políticas venham sendo ofuscadas por pautas de moral e costumes. 

A atual concomitância de eleições para legislativo e executivo já se mostram deletérias: não só a crítica batida de não se saber em quem votou para deputado, senador ou vereador, como não se educa para as funções do legislativo, as atribuições do cargo: a eleição majoritária simplesmente engole as legislativas - deixando um flanco aberto para um voto de “neocabresto”, voto direcionado por alguma liderança (mais marcadamente religiosa, mas não só), sem uma reflexão sobre que interesses podem estar em jogo. O mesmo raciocínio vale para as eleições estaduais e federal coincidentes: a eleição para presidência acaba prevalecendo, diminuindo a atenção dada às propostas dos candidatos aos governos dos estados.

Imagine, então, se a essas discussões se somam também elementos de nível municipal. Quarenta e cinco dias para discutir questões que nos afligem em nível nacional, estadual, municipal, as propostas feita pelos postulantes para executivos e legislativos. Se atualmente já não se tem uma discussão à altura dos nossos problemas, tudo junto e misturado será a despolitização completa, uma eleição de consagração de dancinhas de tik tok e lacrações baixas. Uma mistura de Lei Falcão (1976) com vale-tudo de internet para estes tempos apoca(po)líticos.


15 de maio de 2025



https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/05/07/ccj-do-senado-adia-novamente-votacao-da-pec-que-acaba-com-reeleicao-para-prefeitos-governadores-e-presidente.ghtml