Programa
de terceira idade me fez voltar a Campinas, esta terça: médico. A
tradicional visita mensal ao Aílton, meu homeopata.
Campinas
me lembra o título de um filme hispânico, que assisti numa aula de
espanhol, há uma década e meia, e não lembro absolutamente de
nada, além do título: El aliento del diablo, O sopro do diabo.
São Paulo andava quente, mas Campinas consegue juntar ao calor
qualquer sensação térmica de fim de mundo. Passei o dia me
arrastando pela cidade, com o bafo seco dos infernos soprando de
todos os lados.
Ao
meio-dia, encontrei com alguns amigos – fiquei devendo visita a
outros – para almoçar e conversar um pouco – a consulta era às
cinco. Havia também marcado de encontrar outro amigo, o Thyago, no
centro, mas lh'escrevera a data errada (amanhã, numa mensagem com
data do dia 28) e ele se programara para quarta: para a terça estava
atolado de coisas para fazer – não que isso fosse novidade –, e
deixamos nosso famigerado café para uma próxima oportunidade – já
há uns dois anos seguidamente combinamos de combinar um café para
pôr o papo em dia. Quem sabe em São Paulo, agora que ele passou no
mestrado na ECA-USP?
Barão
Geraldo é tão Terra do Nunca que até quando há um assalto banal
merece efeitos especiais: minha amiga contou que, pela manhã, se
atrasara para o trabalho porque tivera que tomar uma rota
alternativa, já que no caminho havia um helicóptero da polícia
parado no meio da rua.
Cheguei
no centro de Campinas bem antes do horário marcado e dei uma passada
na farmácia onde Ruth trabalha, já certo de que não estava –
acertei. Fui até uma lanchonete, comer algo. No caminho, do outro
lado da rua, numa loja de cópias e gráfica, um senhor de idade,
cabelo todo branco, ele mesmo muito branco, em roupas claras, traçava
uma linha para moça do balcão. Sua figura, o gesto lento, misturado
ao calor da tarde deu à cena um ar de imobilidade móvil, ou
mobilidade imóvel – não sei –, até ele levantar a prancheta,
mostrar à moça seus rabiscos, e quebrar um pouco a leseira do
instante.
Depois
da consulta, tinha algumas horas para enrolar – descobrira que a
linha que utilizo para fazer o trajeto Campinas-Ponta Grossa-Pato
Branco não circula às terças. Parte passei numa lan-house, nesse
grande ralo de tempo, esse buraco-negro espaço-temporal, que é a
internet.
Clima
mais ameno, saí para dar uma volta pela cidade. Não andei muito,
diferentemente do que faço na capital – até por conta do peso da
mochila e de trazer nela meu computador. Nas ruas, carros passavam,
as pessoas se concentravam nas mesas dos barzinhos, nas calçadas. Na
praça do Centro de Convivência Cultural, já no Cambuí, pessoas
fazendo caminhada ou correndo, crianças brincando, pessoas com seus
totózinhos, velhos passeando, casais namorando, grupos de jovens
conversando. Quase lembraria a Av. Paulista confinada a uma pequena
praça circular, não fosse um detalhe: não havia um mendigo, um
pedinte.
Ainda
me sobrando tempo, fui até a farmácia de Ruth uma vez mais, ver se
ela não tinha trocado de turno – não tinha, mas a próxima
consulta do Aílton marquei para a manhã, a ver se não a
encontrarei. No trajeto, a mesma cena: pessoas nos bares; circulando,
quase só carros, e nenhum pedinte ou morador de rua. Estes, seu eu
quisesse vê-los, precisaria ir aonde estão: se não estão
confinados, como as prostitutas, em um bairro, claramente estão
impedidos de andar pela área nobre da cidade – não que São Paulo
não gostaria, não tente pôr em prática o mesmo, só não
consegue.
Cheguei
à rodoviária com tempo de sobra – inclusive para começar esta
crônica. Rodoviária higienizada de pessoas indesejadas no entorno
próximo. Dentro, asseada, iluminada, "protegida" por
câmeras de segurança, onde nunca ninguém me pediu um real para
completar a passagem, nem há catadores de latinhas.
No
ônibus, enquanto me afasto de Campinas, sinto que um leve olor putrefato fica para trás.
Campinas,
28 de fevereiro de 2012.
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