Neste
domingo de carnaval, 19 de fevereiro de 2012, mais uma vez a Tropa de
Choque da Polícia Militar de São Paulo tomou a fresca da madrugada
na Universidade de São Paulo [http://j.mp/yd0p10]. Chegou às cinco horas da manhã para
desocupar meia dúzia de saletas que há quase dois anos eram
ocupadas por estudantes que reivindicam aumento de vagas na moradia
estudantil – o CRUSP –, distribuindo democraticamente violência, inclusive deixando sua marca em uma mulher grávida. Diz a polícia que apenas se utilizou da força necessária para se defender. Para uma
polícia com longa lista de "mortes em conflito" e acusações de violações de direitos humanos, podemos deduzir que bala de borracha seja coisa leve.
Contrariamente
à ocupação da reitoria, em novembro de 2011, não havia nenhum
motivo que pudesse ser alegado “forte” para desocupação do
prédio: o Moradia Retomada, definitivamente, não atrapalhava em
nada as atividades burocráticas, administrativas ou pedagógicas da
universidade. Não eram vagabundos, baderneiros, maconheiros,
irresponsável, pelo contrário: conseguiam uma organização, e
tinham um senso de responsabilidade – individual e coletivo – que
a USP tem se mostrado falha em muitos aspectos. Mas a lei é a
lei, dirão alguns, defensores da ordem e do progresso, ignorando
que se a lei fosse a lei para sempre, a escravidão ainda estaria em
vigência, e não teríamos tido FHC, Lula ou Dilma na condução do país, e sim Dom Luís Gastão Maria José Pio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga
de Orléans e Bragança e Wittelsbach – apesar que, com o
pensamento político visceral que parece ser a regra hoje nestes
tristes trópicos, muitos devem encarar esse futuro do pretérito
como virtuoso.
Como
no Brasil o que temos é um arremedo de segunda linha do programa
Renda Básica Cidadã (ou Renda Mínima), vinculado ainda ao que
(não) ganha uma pessoa, o auxílio estudantil se torna um imperativo
não apenas do ponto de vista individual, como do próprio critério
de excelência acadêmica: alguém preocupado com onde morar, ou
morando precariamente, tende a ter dificuldades para se concentrar
nos estudos. Inclusive nesses ranqueamentos que mídia e academia de
país subdesenvolvido adoram, índice de desistência do curso é
algo levado em conta.
Não
é demais repetir, entretanto, que a universidade pública brasileira
– as paulistas acima de tudo – é feita pela elite e para a
elite, para a perpetuação da elite. Os órgãos de assistência à
ciência, idem. Pretendo tratar em mais detalhes deste assunto em
crônica posterior.
Na
semana anterior foi noticiado parceria entre USP e SPTrans, para que
haja um circular que faça o trajeto USP-Estação Butantã do metrô
gratuitamente para alunos e funcionários. Primeiro aspecto a ser
lembrado: originalmente deveria haver uma estação de metrô dentro
do campus, ela não existe porque a universidade vetou – não
imaginemos que seja um disparate de uma burguesia burra e
preconceituosa as reações contra as estações em Higienópolis ou no Morumbi. Segundo ponto: já que a estação
fica fora do campus e haverá uma linha que fará a ligação direta
entre esses dois pontos, por que não estender a gratuidade a todos
os que desejam ir até a USP, seja para pesquisar, para usar a
biblioteca, para vender artesanato, para catar latinhas, para
passear, para ir ao MAC? No que custará a mais para USP ou SPTrans
cinqüenta pessoas ao invés de dez num ônibus? Contudo, sabe-se bem
quanto custará a mais para essas pessoas. Isso para não falar no
aspecto simbólico: apesar de não ser inibidor dessas pessoas sem
direito legal ao templo sagrado do conhecimento freqüentarem-no, ter
que pagar a integração com o ônibus, ou mesmo fazer uma caminhada
de vinte minutos para chegar à USP, serve para deixar claro que não
são bem vindas. Lugar de povo é na cidade; na USP, acadêmicos e
pessoas em seus carros, em trânsito para os bairros nobres que a
cercam.
Volto
à questão inicial, a nova ação do Choque na USP. Ou melhor: a
nova ação do Choque em ação de contestação política. Já é
assustador notar que se trata de política deliberada – política
de governo – do PSDB paulista massacrar (não, o termo massacre
não é pesado) qualquer contestação política e social que não
seja feita nas instâncias “apropriadas”: via representantes nas
casas legislativas – nas quais, diante das manobras e dos acordos
entre cavalheiros que ocorrem a rodo, contestações ou são
abafadas, ou são risíveis. Ainda mais aterrador é esse padrão se
repetir com tamanha naturalidade na USP, teoricamente centro de
excelência da ciência e do pensamento tupiniquim. Apesar de não
ser o reitor mais votado – Serra escolheu o segundo na lista
tríplice –, Rodas recebeu votos: possuía apoio, portanto, quando
assumiu o cargo. E ainda que seu apoio seja precário – e ele e seu
grupo o administra muito mal –, houve poucas manifestações
contundentes e em peso dos seus pares – professores da USP –
pelas atitudes que vem tomando – desmandos que vão bem além da
questão da ação policial.
Não
se pode chamar Rodas de fascista, simplesmente – até porque o
fascismo é um fenômeno político bem delimitado na história –,
mas as semelhanças que ele guarda com o movimento do início do
século são evidentes, e coadunam com a idéia de universidade
defendida pela elite ilustrada e pela Grande Imprensa: o
tecnocratismo levado ao extremo da negação radical da política –
via perseguições internas ou via polícia. A passividade dos
professores apenas reforça essa impressão. Não se trata aqui de
encampar o tosco discurso “quem defende a universidade não deve
ser punido”, afinal, não há um absoluto do que seja a defesa da
universidade, mas saber que dissenção é parte da política e da
ciência – goste-se ou não, ambas estão fortemente vinculadas.
Assumir o debate e a negociação – que não devem ser confundidos,
o primeiro com o é assim, entendeu?, a segunda com você
faz do meu jeito e estamos todos bem – é fator vital para o
crescimento da própria universidade, e até, quem sabe, para uma
futura inserção de fato desta na vida quotidiana do país –
inserção essa, espero, que não seja para calcular o gás mais
agressivo sem ser letal, se é que ser letal de vez em quando não
caia bem, a depender sobre quem.
São
Paulo, 20 de fevereiro de 2012.
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