No
céu, a bela lua minguante cercada por nuvens que, como um véu,
insinuam cobri-la sem terem capacidade para fazê-lo de fato. No meio
do meu caminho, um Sesc. Freqüento eventualmente as atividades
culturais do circuito Sesc – não que não sejam boas, me desagrada
o seu clima excessivamente asséptico: empregados apagados como bons
serviçais, ausência de pobres, pouco espaço para inesperados. Mas
a comida é boa, mais saudável e mais barata que um qualquer-coisa
no bar da esquina – e eu estava com fome. Opto por sopa – feijão
com macarrão. Não está frio para sopa; não estou doente para
sopa, porém gosto de sopa de feijão. Sento em uma mesa, a sopa
demora – não esperava por essa espera toda, e ao invés de seguir
com a leitura de Correio do tempo,
do Benedetti, fico a observar as pessoas do local, em
silêncio, porque não sou do tipo que consegue puxar papo. É um
público um pouco diferente daquele que me deparo nas apresentações
culturais: há mais idosos e famílias com filhos, menos jovens
descolados. Na minha frente estão sentadas duas garotas –
bonitinhas –, uma oriental e uma negra. Tento adivinhar suas
idades, não consigo: vinte, vinte e cinco, trinta, trinta e pouco?
São jovens, porém não adolescentes. Branquelo, creio que tenha me
habituado a analisar os sulcos da idade com meu reflexo no espelho,
com a imagem de meus pais – daí que orientais e negros acabem
sempre me parecendo mais jovens. As duas moças conversam animadas,
mas quando uma sai para ir ao banheiro, a outro logo confere o
celular, como se estivesse a espera da mensagem salvadora. A oriental
tem uma tatuagem no braço, a parte que dá para ver deixa a
impressão de ser parecida com os primeiros rabiscos em camisetas que
fiz. Uma senhora começa a gritar com um senhor, parece sério de
início, logo noto que não é o caso, está indignada por ter
chegado depois: “como você já está aqui, se eu saí antes”.
Finalmente o sinal chama a minha senha. A sopa é de feijão carioca,
para minha surpresa – quando faço, ou minha mãe faz, sempre é de
feijão preto. Sem pré-julgar, tomo a primeira colherada. Nessa
hora, sinto o gosto da noite na casa de meu avô: a toalha xadrez
vermelha, o teto azul, as paredes com azulejos laranjas sustentadas
pela folhinha do sagrado coração de jesus e por uma espécie de
calendário permanente da Bayer, a caneca marrom para pôr a
dentadura depois da sopa – a janta era invariavelmente sopa –, o
tic-tac pesado do relógio, tudo isso iluminado por uma fraca luz
amarela. Jogo um pedaço de torrada na sopa, ver como fica, e todo
esse sabor de passado se quebra. A fila no caixa, o aviso sonoro da
senha do pedidos, as pessoas que conversam ao meu redor: volto ao
presente. Longe de São Paulo, a casa de meu avô deve estar agora
povoada tão-somente de memórias – dentre elas, nossa risada
cúmplice e sem maior motivo que uma troca de olhares em silêncio,
na hora da sopa.
São
Paulo, 15 de maio de 2013.
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