Foto de Luis Felipe Labaki [j.mp/10Ykne6] |
Subindo
as escadas, primeira porta à esquerda, entra-se em um grande salão,
circular no extremo oposto. À direita da entrada, uma sala anexa,
retangular, sem separação. Em todo ambiente, o chão é de cimento
(reparo algumas manchas coloridas, ou ao menos que rompem com o
monocórdio cinza), o teto é preto, as paredes, brancas. Não há janelas. As luzes do
grande salão estão apagadas – apenas um abajur sobre um mesa,
mais ou menos no centro. As da sala contígua estão acesas: luzes
brancas em uma sala branca – e vazia. No salão há cadeiras,
dispostas aleatoriamente quanto ao lugar e direção – mas tendendo
para o centro, para o abajur. Há pessoas nesse salão, muitas – eu
chutaria perto de cem. Estão em silêncio, o olhar perdido, sem
saber para onde mirar. A maioria está sentada nas cadeiras. Há
pessoas sentadas no chão – algumas deitadas. Outras poucas
caminham – em geral logo páram e se sentam (ou deitam) novamente.
Há músicas que ocupam todo o espaço – feitas para isso. É o
concerto NME13, de música eletroacústica, em uma das salas de
exposição do Instituto Tomie Ohtake. Um rapaz se levanta, transita
pelo salão, adentra a sala adjacente, até então vazia. Ele vai até
próximo da parede oposta, se senta defronte a ela, de costas para o
salão. De onde o vejo, ele perde a sombra. A sala é branca, a luz é
branca, a música que é executada no instante, “Cor”, de Clayton
Mamedes, tem um clima sombrio. No salão, na penumbra, a música a
transitar pelas caixas, preenchendo de diversas maneiras o espaço, o
olhar faz as vezes geralmente reservada aos braços: o que fazer com
eles? Não há instrumentista a executar a peça, não há vídeo a
ilustrá-la, não há foco – a não ser o estático o abajur ao
centro, a iluminar timidamente o computador e a mesa de som. Olhar para baixo,
fechar os olhos? (São alguns dos momentos em que vi manchas
coloridas). Pode-se flanar o olhar por entre os colegas de público,
até se deparar com outra pessoa a fazer o mesmo e baixar os olhos,
um pouco constrangido. O rapaz resolveu esse problema: pode olhar
para frente, não se deparará com ninguém, com nada além do branco
e da música sombria nomeada cor. Mas o que ele vê diante do branco?
Lembro de uma tira do André Dahmer: um homem defronte um grande
aparelho de tevê, comentando que algo está deixando sua alma
pequena. Eu não conseguiria ter esse tipo de reflexão diante de um
televisor.
Mas envolto por três paredes brancas, sentiria minha alma
de que tamanho? O branco, tão vinculado à idéia de paz, de pureza
cristã. O quanto não fujo do branco? Paz que pode ser a ausência
de vida – a vida sempre tão conflitiva, não necessariamente uma
guerra. Pureza que pode significar a falta de marcas, de sombras, da
exata noção da profundidade, o raso. O vazio. Lembro da música do
Marilyn Manson: um grande mundo branco, que suga nossas cores. Também
poderia ser o inverso: um grande mundo colorido que mancha nossa
brancura. Ou então apenas um mundo que não respeita nossas cores.
As cores, elas vêm para preencher esse vazio ou disfarçá-lo? De
início penso nas cores da publicidade, das cores que vazam
brilhantes da tevê, e me parecem enganadoras. Mas e as cores
sombrias da obra que escuto aquele momento? Por que só estas seriam
as verdadeiras? A pop-art desbotada de Arthur Bispo do Rosário é
colorida. A primeira obra do concerto, “Impulso e impacto n° 3”,
de Caio Kenji, é colorida – colorida e sinestésica, a ponto de
ver traços coloridos a la Malevich sendo desenhados pelo som no
espaço escuro. Música para exposição. Cores, e não preto no
branco. A publicidade engana e encobre? Até que ponto? E os pontos
coloridos que resistem em meio ao cinza? E a flor de Drummond a
desabrochar em meio à náusea? Mais tarde, durante a última peça
da noite, “Pato Rei I”, de Tiago de Mello, eu andaria sozinho por
aquele espaço branco. Algum pensamento sobre minha relação com o
Outro brilharia e eu sentiria leve angústia, que me faria retornar
logo ao breu. Estar diante do branco, revela ou apaga?
São
Paulo, 26 de maio de 2013.
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