É
evidente e explícito que parte do Establishment
tupiniquim se organiza com vistas ao poder. Há um golpe em curso -
que ora parece almejar a destituição da presidenta da República,
ora parece se conformar em agir como a Rede Globo, Veja, Fiesp e
congêneres, agiram na eleição de 1989, com manipulação,
mentiras, terrorismo e tudo aquilo que é de conhecimento público (a
quem tem interesse por conhecer algo da história recente do país).
Porém, entre desejar e organizar um golpe (e mesmo aplicar um golpe
midiático) e achar que a tomada do poder está em marcha, como parte
da esquerda vê desde o fim do ano passado, vai uma certa distância.
Contudo, mesmo deixando de lado casos folclóricos (como Paulo
Henrique Amorim, que vê golpe em cada esquina, parecendo a versão à
esquerda de Dennis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia que no
início dos governos petistas via comunista em cada poste e ganhava
amplo espaço na Grande Mídia, quando a direita ainda buscava um
ideólogo com algum estofo intelectual), tanto se fala em golpe que
soa conveniente traçar alguns paralelos entre a situação atual e a
que antecedeu o golpe civil-militar de 1964 - não por achar que a
história se repita, mas porque parte das forças sociais atuantes
continuam as mesmas, e seguem agindo de modo semelhante à de
cinqüenta anos atrás.
Conforme
Caio Navarro de Toledo, em "A democracia populista golpeada", as características principais do país no
momento anterior ao golpe de 64 são: "uma intensa e prolongada
crise econômico-financeira (recessão e uma inflação com taxas
jamais conhecidas); constantes crises político-institucionais; ampla
mobilização política das classes populares (as classes médias, a
partir de meados de 1963, também entram em cena); fortalecimento do
movimento operário e dos trabalhadores do campo; crise do sistema
partidário e um inédito acirramento da luta ideológica de
classes". Enquanto isso, no sub-continente americano vários
governos popularmente eleitos foram, estavam ou seriam
desestabilizados e derrubados por golpes de Estado: Colômbia, 1957;
Venezuela, 1958; Cuba, 1959 (vale lembrar que Fidel e companhia foram
inicialmente saudados pelos EUA, que patrocinou tentativa de golpe
contra o regime em 1961); Argentina, 1962 e 1966; Peru, 1962;
Guatemala, Equador, República Dominicana e Honduras, 1963; Bolívia
e Brasil, 1964 - para ficarmos só em uma década. Atualmente,
acompanhamos tensões políticas na Argentina, Venezuela, Chile,
Peru, Colômbia, Honduras e México - além da crise no Brasil.
Para
além do que foi levantado acima, Dilma, assim como Jango, é
herdeira política de um estadista com apuradíssimo faro político,
está diante de um congresso conservador e sua base de sustentação
nele é limitada. Recentemente, os movimentos sociais - cujos ânimos
arrefeceram após a ascenção de Lula - retomaram parte da pauta da
sociedade, via Movimento Passe Livre e Movimento de Trabalhadores Sem
Teto; enquanto os panelaço anti-PT, assim como a Marcha da família
com Deus pela liberdade, são marcadamente manifestações de uma
elite (branca) e aspirantes a. Na economia, observa-se uma guinada à
direita na economia - então com o Plano Trienal, adesão à
ortodoxia proposta pelos EUA para ajuda externa, agora via
(Anti-)Plano Levy. A semelhança mais importante a se levantar talvez
seja o conluio feito pelas elites locais com apoio do capital
internacional, capitaneada por uma direita pouco comprometida com a
democracia e seus valores e defendida, justificada e estimulada pela
Grande Imprensa - essa descaradamente anti-democrática.
Há,
contudo, diferenças, e muitas soam bastante fortes para inibir um
golpe de fato - restando a alternativa de golpe via mídia para
influenciar as urnas. A primeira e mais visível é que os militares
- no Brasil e nas vizinhanças - não têm intervindo diretamente na
dinâmica política. Diante das manifestações de março, por
exemplo, eu apostaria antes no exército atuando conforme ordens da
presidenta Dilma a debandar para o lado golpista - poderiam, com
isso, cobrar o fim de investigações sobre a ditadura. Outra
diferença: conforme Toledo, no governo Jango, a partir do segundo
semestre de 1963, "uma pergunta passou a dominar a cena
política: Quem dará o golpe?".
Atualmente, amplo espectro da esquerda defende a democracia -
inclusive prega seu aprofundamento -, e tanto o governo Dilma quanto
o PT já deram reiteradas mostras de respeitarem as regras do jogo
democrático, diferentemente do PSDB, que aprovou a ementa da
reeleição em benefício próprio e agora fala em destituir a
presidenta sem qualquer base legal (não apareceu qualquer escuta em
que o principal ministro do chefe do executivo combinava com um
subordinado, "no limite da irresponsabilidade", quem seriam
os vencedores das privatizações da telefonia, por exemplo). Por
fim, outra diferença marcante é que, enquanto o prógono de Goulart
havia dado um tiro no peito uma década antes, o de Dilma segue vivo,
ativo e forte - mesmo com a campanha cerrada da Grande Imprensa
contra Lula há mais de uma década. Inclusive, seu nome é
reiteradamente ventilado, tanto pela direita quanto pela esquerda,
como candidato a ser batido em 2018 - e seria parte do golpe
midiático mudar esse panorama até lá.
Não
vejo, portanto, condições para um golpe de Estado neste momento,
como apregoam muitos analistas de esquerda - e apologistas de
direita. O que não quer dizer que esteja tudo tranqüilo: há um
intenso movimento para enfraquecer a presidenta e tirar o PT do
comando do executivo federal, se aproveitando do poder desproporcional que a direita possui,
graças ao oligopólio da mídia - com o qual tenta reviver a questão
de 1964, sobre quem dará o golpe -, e aos aliados na presidência
das casas legislativas federais, dois personagens sem qualquer pudor
nem respeito pela democracia. Com esse panorama, o PSDB, o Cunhistão
e os barões da mídia não deixariam passar a oportunidade de um
golpe "dentro das regras democráticas", como foi feito
para a aprovação da reforma política ou da maioridade penal.
Esperar a tentativa de golpe para então reagir é um modus
operandi típico de nossa
esquerda super-intelectual. A esquerda está numa situação bastante
delicada: precisa defender a democracia sem defender as atuais regras
de eleição, que geram esse parlamento abjeto, e sem defender o
atual governo - ao menos enquanto enquanto Dilma não decidir dar uma
guinada à esquerda e se aproximar dos movimentos sociais, como
defende Boulos. É preciso nos anteciparmos: cerrar fileiras pela
democracia e pelo seu aprofundamento, defender políticas sociais e
principalmente, neste momento, combater a direita dentro do seu
próprio campo.
15
de julho de 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário