Conheci
o Grupo Corpo há cerca de quinze anos, e me tornei fã de imediato.
Mais do que isso: foi com o Grupo Corpo que me tornei apreciador de
dança contemporânea - a que muito assisto, quase nada entendo (mas
mesmo assim palpito) e há pouco pratico. A companhia de Belo
Horizonte tem um nível técnico que salta aos olhos - mesmo leigos
-, e não se contenta em seguir caminhos fáceis, de garantida
aprovação do público - ainda que seja perceptível a linguagem de
Rodrigo Pederneiras, coreógrafo do grupo (certa feita assisti a uma
apresentação da São Paulo Companhia de Dança, sem saber que uma
das coreografias era dele, e ao verificar no programa, ao fim do
espetáculo, me surpreendi em ter reconhecido o que achei que era somente "influência" dele). Me pergunto se, alcançado
esse nível, e com toda essa história, algum dia o Grupo Corpo
produzirá um espetáculo de qualidade questionável - como grupo que
se arrisca, há altos e baixos nas suas obras, mas os pontos baixos
ainda são de um nível excepcional. Esse prolegômeno todo para
relativizar minha afirmação de que saí um tanto decepcionado da
apresentação das comemorações pelos quarenta anos da companhia, Suíte
Branca e Dança
Sinfônica. As duas coreografias
- inéditas - apresentadas no programa são boas, bonitas, mas eu esperava
mais - reconheço uma expectativa excessiva pela comemoração da data redonda.
Me pareceu faltar a elas certa dose de tensão que pusesse o
coreógrafo - e o público - em um ponto incômodo, um quê de
estranhamento, de conflito. São espetáculos comemorativos e são
fiéis à acepção positiva que domina o termo ultimamente: alegres,
leves, festivos, harmônicos - isso não deveria ser ruim, eu sei, e talvez não seja, mas a mim decepciona um pouco.
Adeptos
de uma estética que tenta trabalhar com pouco e disso extrair muito
- a luz simples e de recortes precisos em cenários e figurinos
elaborados mas reduzidos ao necessário -, tanto Suíte
Branca quanto Dança
Sinfônica radicalizam no pouco,
mas não logram chegar no muito. Na verdade, invertem certo padrão
do grupo, e recorrem a desenhos de luz que parecem tentar preencher o que
figurinos e cenários mínimos não dão conta de transmitir.
Suíte
Branca inova por não ser uma
coreografia de Rodrigo Pederneiras - pelo que pude verificar, a
quarta apresentada pelo grupo, sendo a última, de Suzanne Linke, em
1989. Assina-a Cassi Abranches, cria da casa, bailarina do grupo por
doze anos. É praticamente uma coreografia-homenagem a Pederneiras,
tão evidente é a influência deste. Bailarinos de branco, sobre
chão branco, diante de um fundo branco - que remete a papel amassado
- e sob luzes brancas. Ao leigo que aqui escreve pareceu um
espetáculo com alta dose de exigência técnica, dançada com
maestria pelos bailarinos. O excesso de técnica, contudo, não
oculta o que parece ser uma falta de propósito - de "alma",
como comentou a amiga que me acompanhava. Dançam bem, são muito
técnicos e causam impacto sem maiores firulas, mas a que dançam?
E por falar em impacto, mais que a técnica, o que me impressionou foi o belo efeito produzido pelas luzes laterais incidindo sobre os bailarinos,
que dão a eles algo como luz própria, ao provocarem reflexos sob
seus corpos (quando estava apenas um bailarino no palco, cheguei a
achar que estivessem usando canhão a baixa intensidade, mas quando
entraram os demais, vi que tecnicamente não fazia sentido dois
canhões por dançarino). Ou, então, quando os dançarinos,
enfileirados lado a lado diante do público, sutilmente vão e vem
com seus corpos, produzindo diferentes luminescências do "cenário"
ao fundo.
Menos
homogêneo nos elementos de palco, Dança Sinfônica
- essa, sim, de Pederneiras -, causa impacto de cara, mas parece
perder vigor no correr da coreografia. Entram dançarinos de preto,
caminhando de costas, sustentando dançarinas de vermelho - em pé. No
palco, as pernas da caixa preta substituídas por tecido vermelho e
luz quente sob intensidade baixa. Apesar da alta verticalidade, há
um peso no gesto. Esse peso, contudo, vai se desfazendo no correr do
espetáculo, que, diante de Suíte Branca,
abusa de movimentos do balé - pode ser fruto de minha ignorância em
dança, mas Cassi me soou mais Pederneiras que o próprio. Dança
Sinfônica também é menos
harmônico: um elemento branco - frio - surge em meio ao quente
vermelho e negro. A bailarina destoante no figurino permite mais
facilmente uma leitura ao público mais simples (no caso, eu) - numa
chave de diferença-tentativa de assimilação-reafirmação e
aceitação do diferente, por exemplo -, mas ainda assim, o clima
geral é de harmonia, de diferenças que se entendem sem conflito.
Quanto
às trilhas sonoras, elas também quebraram minhas expectativas. De
Samuel Rosa, da banda Skank, que compôs para Suíte
Branca, eu pouco esperava, mas o
som que lembra Explosion In The Sky com toques Beatles foi do meu agrado e criou algo de uma leve
tensão com todo o resto do espetáculo - não foi outro elemento de
virtuosismo branco sobre branco. Já da obra de Marco Antônio
Guimarães, do Uakti, teve um diálogo muito sincrônico com a coreografia, o que reforça minha crítica - sem contar que esperava mais por ser do Uakti.
Talvez
minha impressão sobre as coreografias seja fruto de certo amargor
que me acompanha e busco encontrar também na arte - ou então de
querer achar discursos racionais em tudo, sei lá. Talvez tenha mesmo faltado
uma faca no pescoço do coreógrafo, como em Triz.
Ou talvez eu simplesmente não tenha entendido nada. O certo é que, dado meus
precários predicados em dança, a "análise" acima é
descaradamente apoiada em questão de gosto (se alguém quiser ter
alguma referência, achei as duas coreografias do nível de Ímã,
a que menos gostei até agora; sendo Breu e Bach minhas favoritas). E, como digo no título, não
deixo de esperar que venham logo novos espetáculo do grupo. De
qualquer forma, apesar de tudo o que recém disse, são duas obras de
grande beleza estética e que valem ser vistas!
13
de agosto de 2015
ps: para quem chegou ao fim desta crônica, sugiro a leitura de uma boa crítica das danças, dizendo o contrário do que falei acima. Por Helena Katz, "Os códigos sutis dos movimentos sempre renovados".
ps2: nas fotos, dois exemplos (pontuais) da beleza plástica das coreografias
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