Escuto o áudio da
"entrevista" do vereador do MBL-DEM Fernando Holiday Silva
ao jornalista Fábio Pannunzio, da Rádio Bandeirantes. O breve
trecho de três minutos (seria uma homenagem aos Engenheiros do
Hawaii?) é um triste retrato do nosso acelerado caminhar para o
fascismo.
Ao que dá para
entender, Holiday não havia sido chamado ao programa, mas diante de
terem dito que usara caixa 2 em sua campanha, liga para a rádio,
para dar sua versão dos fatos. Justo, ainda que raro - a grande
imprensa não oferece seu tempo assim tranquilamente ao Boulos, por
exemplo. Talvez surpreendido por terem feito uma pergunta e cobrado
uma resposta a ela, e não apenas a feito como desculpa para abrir o
microfone para que falasse o que quisesse, o vereador se exalta e é
tirado do ar, sem completar sua resposta (me pergunto se não foi
para sorte dele e do grupo Bandeirantes).
O pequeno fascista
começou com a desqualificação do site que noticiou seu suposto
crime de caixa 2, o BuzzFeed Brasil. Realmente, o site não é algo
que inspire grande confiança - até então, o tinha como site de
listas bobinhas para perder tempo com inutilidades. Entrei na página
do BuzzFeed e não consegui saber quem é o editor responsável -
péssimo sinal. Entretanto, os jornalistas que deram o furo têm
experiência, ainda que em veículos de baixa credibilidade: Tatiana
Farah já trabalhou para O Globo e Severino Motta era da Veja - não
sei da qualidade do seu trabalho nos respectivos veículos, pode ser
que por serem profissionais éticos que tenham sido demitidos. Na
reportagem, nada das frases usadas sempre pelo jornalismo da grande
imprensa, nada de "fontes asseguram", "pessoas
próximas confirmam" e afins: os repórteres dão nomes e caras
aos bois, apresentam planilhas e áudios: uma reportagem muito bem
feita, portanto. Se é falsificação - "fake news", como
acusa Holiday, ele próprio integrante daquele que foi considerado
por pesquisador da USP o maior divulgador de notícias falsas da
internet brasileira -, Farah e Motta oferecem de bandeja suas cabeças
para processos.
Impedido de falar do
veículo e instado a falar do fato, Holiday tenta argumentar que
dinheiro não contabilizado não é crime de caixa 2 - infelizmente
não deixaram ele completar seu duplipensar, talvez ele dissesse que,
não sendo petista ou de esquerda, não há crime. É nesse ponto, ao
ser confrontado, que o vereador paulistano começa a gritar e é
tirado do ar - medida bastante razoável.
A seguir vem o
segundo momento fascista dos três minutos, o mais descarado, e que
tem passado em branco - pelos comentários que li até agora. Diz
Pannunzio, já sem possibilidade de réplica: "É isso aí, usou
caixa 2. É o que aconteceu, e o resto é conversa fiada". Que
autoridade tem Pannunzio para determinar a culpa de alguém de modo
tão cabal? Ele sequer relativizou sua frase, algo como "para
mim, usou caixa 2, ponto final". Fosse em particular, seria
tosco, mas no seu direito, dar sentenças a torto e a direito, como
se fosse o deus dono da verdade e da justiça, não foi o caso: o
jornalista se utilizou de uma concessão pública para emitir um
juízo de valor como se fosse fato (não que isso não aconteça o
tempo todo na grande imprensa). A investigação das autoridades
competentes, o contraditório, o direito à ampla defesa, e a
sentença por alguém teoricamente habilitado e neutro, tudo isso é
posto de lado: o veridicto está dado: Fernando Holiday Silva é
culpado. É a mesma lógica utilizada contra Lula e Dilma, a mesma
lógica utilizada contra o pai de Isabela Nardoni e sua mulher, a
mesma lógica utilizada contra os donos da Escola Base. Estes
conseguiram, vinte anos depois, provar sua inocência (pouco serviu,
sua vida estava arruinada); Lula e Dilma tem a seu favor enorme
capital simbólico e a completa falta de provas (mas há convicções);
os do caso Nardoni, zé-ninguéns sem chance de contraditório, pagam
por um crime que ninguém sabe a verdade. Holiday é outro
zé-ninguém, apenas vive seus 15 minutos de fama, pode ter o mesmo
fim de Nardoni e Jatobá, como nós - basta um suposto crime
sensacionalista ou se indispor com o quarto poder, e não há outra
justiça possível.
Nos indignamos (com
razão) com o massacre sofrido por Dilma e Lula (e eu poria a morte
de Marisa Letícia na conta de assassinato por parte do consórcio
CIA-Moro-Globo); contudo, o episódio envolvendo Fernando Holiday
Silva, até agora, mostra que estamos naturalizando esse tipo de
atuação da grande imprensa. Logo estaremos apenas discutindo se os
massacrados estavam do lado certo ou errado, do bem ou do mal.
Não se trata de
defender Holiday. Ele tem dado reiteradas provas de não ter
condições de ser vereador - seja pelos seus discursos de ódio,
seja quando invadiu a reunião do PT, requerendo, ainda por cima,
proteção da Guarda Civil -, e a cada dia se mostra menos apto para
viver em sociedade. Contudo, não é justiçamento que vai dar conta
do problema: ou reivindicamos o cumprimento das leis por parte das
instâncias responsáveis (algo cada vez mais raro, com ministro do
STF atuando como advogados nos casos que julgam ou juízes de
província agindo como justiceiros), ou melhor defendermos logo a
posse de armas, comprarmos nossa Uzi ou nossa AK-47, e sairmos para
matar nossos iguais na praça de guerra.
na data da greve, 15 de março de 2017
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