Fim do merecido - ainda que curto - recesso de Natal, volto também a escrever, agora que retomei o ritmo de trabalho - ou quase. Felizmente não quis enfrentar praia lotada de paulistas e me poupei de uma virose (para comemorar o novo padrão de qualidade da Sabesp), de modo que posso falar das agruras desse período sem escatologias ou sofrimentos fisiológicos - apenas psicológicos e emocionais.
Pois bem, estava eu na calma de meu lar com o Brotinho, no domingo anterior ao Natal, quando recebo em meu whatsapp a mensagem de alguém que eu não fazia ideia de quem era. Essa pessoa, pelo visto, sabia disso e tratou de se apresentar logo na segunda frase: era Robervals, o novo funcionário do setor - chegado com as melhores indicações, há dois meses. Eu já havia distribuído meus votos de felizes festas a todos meus chegados - basicamente a bancada onde está minha baia -, de modo a não precisar receber mensagem dos mesmos e com isso não ter que rememorar que trabalho - mesmo que sejam meus amigos, eles me fazem lembrar das oito horas (e, como cantam os uruguaios do El Cuarteto de Nos: “Papito quiere una vida más relajada/Papá quiere quedarse en casa y no hacer nada”).Robervals, portanto, começou estragando, mesmo que de leve, meu descanso - eu que ainda havia guardado duas folgas a que tinha direito ano passado para aumentar esse breve recesso. Contudo, mesmo que ela me lembrasse que tenho colegas de trabalho e que, dessarte, eu trabalho para garantir os lucros do patrão, houve algo de jocoso em tal mensagem. Ao menos para mim, porque o Robervals estava sofrendo.
Num dos dias de minha folga, a estagiária fez sua despedida - estava se formando e agora de esperança passava a ser o problema do país. Nisso, conforme me contou Robervals, deixou bombons para algumas pessoas. Eu fui uma das escolhidas - provavelmente porque lhe dava bons dias e sabia seu nome desde o início, ainda que não tenha conversado com ela, fora raras e sumaríssimas interlocuções acerca de questões laborais menores.
Desconfio que ele não tenha sido uma dessas pessoas, pois se martirizava por ter pego aquilo que era meu de direito e eu nem sabia - nem ficaria sabendo, não fosse seu pedido de desculpas, dizendo que nunca tinha feito isso e estava arrependido. Me senti praticamente um padre em seu confessionário. Ao menos o pedido de desculpas foi em particular, se tivesse sido no grupo do trabalho faria eu me sentir como um pastor que humilha o fiel pecador na frente de todos (de preferência com transmissão pela tevê). Penso agora: talvez ele tenha recebido o seu, mas não era um bombom desses simples (sim, estagiário ganha pouco do trabalho, mas desconfio que a mesada dela seja boa), de modo que ficou com vontade de comer mais um e pegou os meus.
Enfim, eu estava indignado de ser perturbado do meu descanso por dois bombons que eu nem sabia que tinha quando Brotinho me deu uma explicação bastante plausível para o ato de meu colega:
Pensa: é vinte e dois de dezembro, daqui três dias é Natal. Papai Noel vai perguntar se ele foi um bom menino e ele, tendo cometido tão grave ato tão em cima da data, não teria tempo hábil para se redimir. Melhor foi se declarar culpado, esperar seu perdão e garantir o presente.
Achei que ela tinha razão e, por conta disso, decidi ignorar solenemente sua mensagem - como já era meu intuito inicial, mas agora com um quê de sadismo junto: que se entenda com Papai Noel e me deixe de fora da treta. Afinal, as duas vezes que usou meu computador, fez questão de alterar os ajustes da cadeira e do brilho da tela, me deixando bastante deslocado.
Ao voltar ao trabalho, contei o caso aos colegas - como diz irmã Makioka, “a fofoca é edificante, ela forja o caráter do coletivo”. Meirelles sugeriu que o apelidássemos de TV Colosso, e após rápida deliberação, aceitamos por unanimidade a proposta da nobre colega - por mais que entre nós haja pessoas que eram ainda muito impúberes na época em que o programa era transmitido.
Não sei se Robervals ficou sabendo de seu apelido. Voltamos há duas semanas e ele ainda não me devolveu os bombons, nem tocou no assunto. Nem eu. Na verdade, tenho evitado encontrá-lo: ainda me sinto constrangido com sua mensagem e prefiro, até segunda ordem, fingir que sequer a li (porque agora não posso mais dizer que não o conheço).
07 de janeiro de 2025