Se para medir a produção científica brasileira, além do tanto de paper produzido (por favor, por mais que os novos ricos e a academia se entristeçam com este fato, ainda moramos no Brasil e não no Brazil, e estamos falando de produção científica e não de scientific production, logo, fala-se “papér” e não “peiper”) fosse levado em conta o material egoacadêmico que um professor ou um pós-graduando gera anualmente em seus embates nas n mesas-redondas que participa para engordar seu currículo lattes - o que também afaga seu egoacademicisimo -, teríamos uma melhor imagem dos esforços que os pesquisadores tupiniquins fazem em prol do desenvolvimento da ciência.
Um amigo contava das agruras do seu doutorado. Teve o infortúnio de cair no meio de uma disputa entre grupos de um programa de pós na Unicamp. Pelo regulamento, seu primeiro orientador não podia orientar no doutorado, mas se seu grupo conseguisse a coordenadoria de pós-graduação, dava-se um jeitinho e passaria a poder. Não conseguiu. O grupo que assumiu a pós, para evitar mal-estar desnecessário com o grupo rival, não liberou o professor para orientar, mas não quis assumir qualquer posição oficial, assinando documento dizendo que não podia, como pediu meu amigo. O professor pediu a seus dois orientados que escrevessem uma carta falando que só aceitavam ser orientados por ele. Meu amigo se recusou: a disputa interna entre os grupelhos não era com ele. Do outro lado, a coordenação "pediu" que eles assinassem uma carta pedindo que trocassem de orientador. Se negou também. O pedido foi um pouco mais incisivo: ou assinava ou perdia a bolsa. Argumento errado para meu amigo. Só assinamos a qualificação e a defesa se tiver a assinatura desta carta. Aí não teve como não ceder ao bom argumento de autoridade da autoridade. Mais velho, mais independente (não apenas financeiramente), ele acha que essas disputas são complexo terceiro mundista, briga para ver quem é o maior anão, disputa entre pequenos, que preferem não olhar para os grandes para não terem que encarar o próprio tamanho.
Tentei argumentar que disputas entre grupos e brigas de ego costumam ter em qualquer lugar - do ministério à copa -, mas devo reconhecer: universidade pública vai muito além não só do bom senso como dos níveis toleráveis, e a troco de nada. Já tive aula de ética em que o professor parava a aula para fazer fofoquinha de uma colega de quem ele não gostava – e que sequer era da Unicamp. E o pior é que a geração que vem aí não hesita em seguir o chefe: antes deixar tudo como está do que pôr a carreira em risco – por mais que ela já esteja comprometida.
Amiga minha contava de conhecida nossa que faz mestrado na USP. Perto do prazo para qualificar, sem qualquer resposta do orientador, foi atrás do dito e quando o encontrou descobriu que ele sequer sabia qual era seu tema de pesquisa. Ele alegou que estava com alguns problemas de saúde e por isso ficaria um tanto ausente “a partir dali”. Lógico, minha conhecida foi urgentemente pedir para trocar de orientador. Nada. Mais nova e sem a independência do meu amigo (e não falo aqui da financeira), preferiu deixar como estava. Não entendi. Minha amiga, muito bem inserida nos meandros acadêmicos, me explicou: trocar de orientador poderia queimá-la dentro do programa; logo, melhor fazer a pesquisa pedindo ajuda para amigos, pôr o nome do orientador ausente na dissertação, agradecer a todos, e correr atrás de outro para o doutorado, tendo esse seu desprendimento como carta de apresentação. “Era mesmo o melhor que tinha a fazer”, concluiu ela.
Sendo a universidade pública brasileira uma carreira burocrática cuja admissão não se dá de maneira impessoal – ainda que isso não implique que os selecionados não tenham as qualificações exigidas para o cargo –, realmente era mesmo o melhor que tinha a fazer. Por isso eu insisto: para o bem dessas pessoas, como essa conhecida, dona de um ego bastante volumoso, mas capaz de um desprendimento tal apenas para se mostrar servil às autoridades da universidade e poder um dia ser ela a autoridade: nossa produção científica devia levar em conta também a produção egoacadêmica!
Campinas, 24 de outubro de 2010.
Um amigo contava das agruras do seu doutorado. Teve o infortúnio de cair no meio de uma disputa entre grupos de um programa de pós na Unicamp. Pelo regulamento, seu primeiro orientador não podia orientar no doutorado, mas se seu grupo conseguisse a coordenadoria de pós-graduação, dava-se um jeitinho e passaria a poder. Não conseguiu. O grupo que assumiu a pós, para evitar mal-estar desnecessário com o grupo rival, não liberou o professor para orientar, mas não quis assumir qualquer posição oficial, assinando documento dizendo que não podia, como pediu meu amigo. O professor pediu a seus dois orientados que escrevessem uma carta falando que só aceitavam ser orientados por ele. Meu amigo se recusou: a disputa interna entre os grupelhos não era com ele. Do outro lado, a coordenação "pediu" que eles assinassem uma carta pedindo que trocassem de orientador. Se negou também. O pedido foi um pouco mais incisivo: ou assinava ou perdia a bolsa. Argumento errado para meu amigo. Só assinamos a qualificação e a defesa se tiver a assinatura desta carta. Aí não teve como não ceder ao bom argumento de autoridade da autoridade. Mais velho, mais independente (não apenas financeiramente), ele acha que essas disputas são complexo terceiro mundista, briga para ver quem é o maior anão, disputa entre pequenos, que preferem não olhar para os grandes para não terem que encarar o próprio tamanho.
Tentei argumentar que disputas entre grupos e brigas de ego costumam ter em qualquer lugar - do ministério à copa -, mas devo reconhecer: universidade pública vai muito além não só do bom senso como dos níveis toleráveis, e a troco de nada. Já tive aula de ética em que o professor parava a aula para fazer fofoquinha de uma colega de quem ele não gostava – e que sequer era da Unicamp. E o pior é que a geração que vem aí não hesita em seguir o chefe: antes deixar tudo como está do que pôr a carreira em risco – por mais que ela já esteja comprometida.
Amiga minha contava de conhecida nossa que faz mestrado na USP. Perto do prazo para qualificar, sem qualquer resposta do orientador, foi atrás do dito e quando o encontrou descobriu que ele sequer sabia qual era seu tema de pesquisa. Ele alegou que estava com alguns problemas de saúde e por isso ficaria um tanto ausente “a partir dali”. Lógico, minha conhecida foi urgentemente pedir para trocar de orientador. Nada. Mais nova e sem a independência do meu amigo (e não falo aqui da financeira), preferiu deixar como estava. Não entendi. Minha amiga, muito bem inserida nos meandros acadêmicos, me explicou: trocar de orientador poderia queimá-la dentro do programa; logo, melhor fazer a pesquisa pedindo ajuda para amigos, pôr o nome do orientador ausente na dissertação, agradecer a todos, e correr atrás de outro para o doutorado, tendo esse seu desprendimento como carta de apresentação. “Era mesmo o melhor que tinha a fazer”, concluiu ela.
Sendo a universidade pública brasileira uma carreira burocrática cuja admissão não se dá de maneira impessoal – ainda que isso não implique que os selecionados não tenham as qualificações exigidas para o cargo –, realmente era mesmo o melhor que tinha a fazer. Por isso eu insisto: para o bem dessas pessoas, como essa conhecida, dona de um ego bastante volumoso, mas capaz de um desprendimento tal apenas para se mostrar servil às autoridades da universidade e poder um dia ser ela a autoridade: nossa produção científica devia levar em conta também a produção egoacadêmica!
Campinas, 24 de outubro de 2010.
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