segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Homenagem (atrasada) ao dia dos pais [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


A homenagem aos pais chegou atrasada aqui na empresa. Bem que Macedo havia comentado de seu estranhamento diante da ausência de qualquer mensagem do RH sobre a data. Pelo visto, esqueceu mesmo. Para disfarçar, a chefe do RH apareceu em pessoa esta segunda-feira, depois do almoço, munida de um tocador de violão e duas funcionárias que carregavam bandejas com bombons e um bilhetinhos para os homens - e que traziam-nas com tanta solenidade e cuidado que mais pareciam duas vestais com instrumentos para uma cirurgia espiritual.

A homenagem poderia terminar por aí: um aluno de canto e violão se esforçando para não errar os acordes nem desafinar muito e um bombom com um recadinho clichê. Porém o que essa homenagem trouxe à baila foi o velho receio do passaralho. Vamos por partes.

Sim, o RH esqueceu de mandar um e-mail com um “Feliz dia dos pais” antes dos dias dos pais. Para compensar, fez o que fez. Pensamos que o chefe poderia ficar incomodado com esse gasto extra, mas quando soubemos que o cantor era outro sobrinho seu, entendemos que o esquecimento foi uma ótima ideia da chefe do RH (e os leitores do TZN. HSG. vão se lembrar que o mesmo expediente era utilizado pela chefe do Bandejão)

Antes de tocar, o moço - mais articulado que Basso, de curta passagem pelo setor - fez um breve discurso motivacional, concluído com “lembrem-se das coisas que fazem sentido, que fazem você se sentir vivo!”. Aplausos da equipe. Olhei para Goreti, ele tinha lágrimas nos olhos - eu imaginava o por quê. Depois, confirmou:

Passo oito horas por dia, quarenta e oito semanas por ano, preso neste trabalho de merda, sem sentido algum, achando Sísifo um sortudo porque ainda pode ver o horizonte quando a pedra rola morro abaixo! Isso pelo lucro do patrão! E ele me pede para lembrar das coisas que fazem sentido?!

Menos melodramático, não pude deixar de complementar o nobre colega:
A dor do chicote estalando no lombo também faz nos lembrarmos que estamos vivos.

Macedo complementou algo em ASMR que não consegui escutar e deixei passar, porque também estava preocupado com o passaralho.

Voltemos à homenagem.

Depois do discurso, a música. Fosse acordeón no lugar do violão e poderíamos nos sentir numa live do ex-presidente que trata os filhos por números, como se fossem presidiários (não que não devessem ser). Outro ponto positivo: não tocou Pais e Filhos, como temeu Macedo, e sim Anunciação, do Alceu Valença. Que sentido faz essa música com o dia dos pais? Fica a interrogação. Pensei depois: poderia ter tocado Pai, do Fábio Júnior. Seria dolorido ouvi-lo tentando imitar o galã (existe ex pra galã, ou uma vez galã, sempre galã?), mas ao menos faria sentido. Quer dizer, faria sentido com o dia dos pais, porque sentido pareceu fazer muito com o recado que vinha junto ao bombom:
“Ser pai é ter um cargo de responsabilidade que você ama e nunca será demitido”.

Seria uma indireta àqueles que não estão satisfeitos com o trabalho? Com quem a chefia acha que não se mostra à altura das suas responsabilidades? De que vai rolar, finalmente, o passaralho que nos ronda desde o fim do ano passado? 

Perturbados, escutávamos um desafinado “tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais”, enquanto imaginávamos o que não trariam tais sinais.


11 de agosto de 2025


PS: Em outro departamento, a música variou, foi Pra dizer adeus, do Titãs. Mais um sinal...

Este é um texto ficcional (a imagem também), teoricamente de humor. Não há nada para além do texto. Qualquer semelhança com a vida real é uma impressionante coincidência, ou fruto da sua mente viciada que quer pôr tudo em formas pré-definidas


sexta-feira, 8 de agosto de 2025

O apagão dos dados públicos e as big techs

O neoliberalismo tinha como algumas de suas premissas o homo oeconomicus - indivíduos racionais que buscam egoisticamente a maximização de utilidades, baseados em expectativas racionais - e a perfeição do mercado - a tal “mão invisível”, que conduziria a uma alocação ótima dos recursos sociais. Disso deriva a ideia de estado mínimo, sem atuação em atividades econômicas, e com funções subsidiárias aos mercados, seja na regulação, com a garantia da propriedade privada, dos contratos, da estabilidade financeira, de evitar práticas concorrenciais desleais; seja na minoração das externalidades negativas das políticas macroeconômicas, via políticas focalizadas de mitigação da miséria; seja na produção de dados e indicativos, sobre os quais empresas e indivíduos podem melhor compreender a sociedade para atuar nos seus mercados - por exemplo, saber se o mercado de trabalho está aquecido ou não é importante para empresas na hora de negociar salários.

O ultraliberalimo, ainda que surgido dos escombros do neoliberalismo pós crise financeira de 2008, rompe com o mínimo de “civilidade” (com muitas aspas) que o neoliberalismo trazia. Saem políticas compensatórias focalizadas pelo “deixa cada um se foder do jeito que quiser”, verbalizada por Guedes; não há mais resguardo da concorrência ou regulação mínima: ao estado cabe, basicamente, a função de polícia patrimonial. É nesse contexto que o Estado tem tentado se desobrigar do levantamento de dados e produção de estatísticas e indicadores.

Durante o governo Bolsonaro, por duas vezes o censo foi adiado. Agora é a vez do governo Trump atacar Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA (BLS), ao demitir sua diretora, Erika McEntarfer. O que se noticia é que quando os dados não são favoráveis, os governos de extrema-direita preferem atacar o mensageiro e destruir a mensagem. 

A recusa na produção (e divulgação) de estatísticas oficiais parece contraditório num primeiro momento: não apenas políticas públicas são prejudicadas, como a estabilidade financeira, econômica e a política monetária - afetando os mercados. A quem pode interessar o apagão dos dados públicos? 

Com a popularização da internet, o grande volume de dados gerados pelos usuários e processados pelas grandes empresas de tecnologia, o trabalho com grande volume estatístico pode deixar de ser requisitado ao estado por alguns agentes. Em um capitalismo oligopolista, sem qualquer regulação, em que dados pessoais são o novo petróleo, o desmonte de agências estatísticas oficiais atua como uma espécie de privatização dessa função do governo, deixando às grandes empresas de tecnologia um poder de controle sobre estado, sociedade e mercados ainda mais intenso - se com esses dados é possível fazer publicidade quase personalizada, qual seria a dificuldade em extrair conclusões de aspectos macroeconômicos?

Mais que a responsabilização por o que é dito em suas redes, o que as grandes empresas têm a perder é esse grande banco de dados que lhes dão uma vantagem comparativa muito grande em vários setores da economia - ainda mais com governos atuando a seu favor.


08 de agosto de 2025