domingo, 8 de julho de 2012

Danças [Im]Puras

Um corpo tensionado não é necessariamente um corpo em tensão.

Imagino que tensionar um corpo a ponto de representá-lo em tensão não seja tarefa fácil – se é que é possível esse tensionamento não se tornar em tensão mesma. "Danças [Im]Puras", espetáculo de Maura Baiocchi e Taanteatro Companhia, arremessa o espectador nesse aspecto tenso – não se pode falar em clima, propriamente, pois a coreografia não dá tempo para a criação de um. De modo que me impressionou o fato de essa tensão – física – representada no corpo de um dançarino, apresentada de chofre, ser tão pulsante a ponto de reverberar no meu: era possível compartilhar da tensão – assim como certa angústia, determinadas horas –, isso apenas passando pelo corpo e a criação da situação – sem apelar para uma narrativa que se constrói no tempo e nele se distende. Pode ser proposta da criação, mas a um leigo (não totalmente ignorante, preciso admitir) em dança, a impressão de algumas falhas de técnica (que podem ser impressão errada do escriba leigo, também preciso admitir) ajudaram ainda mais nessa tensão.

Com influências do surrealismo, bem calcado em Lautréamont – como na mistura de objetos, elementos díspares, fora do seu uso usual (o encontro de um guarda-chuva e uma máquina de costura numa mesa de operação) –, partindo de um contexto mais ligado à natureza (tudo começa, ainda fora da sala de espetáculos, com um vídeo rodado no Parque Água Branca, na região oeste de São Paulo), “Danças [Im]Puras” constrói uma atmosfera onírica, mas atualizada para um tempo em que se desaprendeu a sonhar: não é pesadelo, mas tampouco é a realização de desejo: é claustrofobia – por mais que haja saídas, que haja o céu no horizonte.

Sob um céu tempestuoso, paredes com aspecto de gasto e galhos secos, os bailarinos bailam com girassóis ressecados e brilhantes, luvas de boxe feitas de esparadrapos se desfazendo em sanguinolências (ou seriam se fazendo, e o sangue seria da própria luva?), bonecas de um olho que arrancam a própria cabeça, um grande pássaro, uma coisa branca amorfa; tudo – sempre – em grande tensão, ora positiva – como na “Cópula Tatarana + Pombadapaz & Macacoshivapatodoparaíso” –, ora negativa – “Objeto fel” –, ora ambígua – “Tartarugaluvadebox & porco”. E tudo – coreografia, música, cenário, iluminação, figurino – muito coeso (e bem feito!), o que ajuda a prender ainda mais a atenção naquele universo de estranhas narrativas e expressivos significados.

Se, como disse no início, “Danças [Im]puras” começa por arremessar o público na tensão; no fim, ela termina por distendê-la, em “Partida: viver juntos'bar”, abandonando a platéia num estranhamento geral. Difícil é seguir a sugestão e encarar tranqüilamente um bar depois: como toda boa obra-de-arte, "Danças [Im]Puras" exige digestão lenta.


São Paulo 08 de julho de 2012.

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