Adentro
o chuvoso domingo em SP assistindo ao muito expressivo e performático
Arrigo Barnabé interpretando Lupicínio Rodrigues. Uma apresentação
deliciosa para encerrar minha agradável noitada cultural, que
começara naquele mesmo endereço algumas horas antes, com a Cisne
Negro Companhia de Dança apresentando as coreografias “Revoada”,
de Gigi Caciuleanu, e “Sra. Margareth”, do israelo-americano
Barak Marshall. Nesta, a música cigana que algumas vezes é
executada para embalar a dança dos doze serviçais da Sra. Margareth
faz uma crítica sutil mas muito precisa da, vamos chamar, hierarquia
dos povos na divisão internacional de trabalho. Entre as duas
apresentações, com uma hora livre, ignoro a chuva e resolvo ir até
a Paulista, dar uma olhada no movimento do sábado à noite. Ainda
antes de chegar na avenida Brigadeiro Luís Antônio, dois catadores
de latinhas: não sei se disputam os sacos de lixo ou se trabalham
colaborativamente. Na Brigadeiro, uma agência bancária com uma
porta de madeira provisoriamente no lugar da de vidro. Paredes gritam
que R$ 3,20 é um roubo. Eu digo que R$ 3,00 também é – mas o
momento não autoriza novas manifestações no curto prazo pelo
Movimento Passe Livre, infelizmente. Dois mendigos dormem protegidos
da chuva sob uma marquise. Passa outro por eles, e com a mão simula
vários tiros nos que dormem. Pouco antes, outro morador de rua
ajeitava a cueca. Na Paulista, o movimento é razoável – ainda não
são onze da noite. Passo por um grupo de seis adolescentes,
discretamente animados com a noite que começa. Em frente ao prédio
da Gazeta, pessoas se amontoam no pedaço de marquise disponível (as
escadas estão barradas por grades). Vou até o prédio da Fiesp,
onde o ex-socialista resolveu pôr uma iluminação nacionalista, e
resolvo voltar. No caminho, o grupo de adolescente está contra a
parede, debaixo da chuva. Os que usavam bonés, os têm na mão.
Reparo nos garotos. Dezoito anos, se tanto. Parecem bastante
ingênuos. São ou morenos ou negros, e trazem no estilo a marca
escancarada de serem da periferia. Dois policiais – um deles negro
– se preparam para uma geral. Lembro de um amigo que conta que
dificilmente quando vai pra noitada passa sem uma revista da polícia
militar – ele não tem estilo de periferia, mas é negro –, a
ponto de quase nem se incomodar mais – Pavlov talvez explique.
Lembro também dos manifestantes na Paulista, dia 20 de junho,
tirando foto com essa mesma polícia militar, naquele clima de
comunhão nacional, quando, dizem, o gigante acordou. Certamente não eram esses garotos ou seus amigos e vizinhos quem tiravam tais fotos. Sigo meu
trajeto rumo ao teatro Sérgio Cardoso. Ficam para trás os seis
garotos da periferia, os dois policiais, e o prédio da Fiesp
iluminado com a bandeira do Brasil, ostentando que, condizente com
nossa história nacional de exclusão, a Paulista não é para todos.
São
Paulo, 30 de junho de 2013.
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