Leio
na Grande Imprensa que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,
responsável último pelos atos da polícia militar sob suas ordens
“afirmou que atos abusivos de policiais serão investigados. 'Não
temos nenhum compromisso com o erro. A polícia tem uma corregedoria.
Então será apurado qualquer abuso que tenha sido cometido. A
polícia trabalha. Exceção, se houve um abuso isolado, isso vai ser
rigorosamente apurado'”.
Sobre
abuso das nossas polícias, isso merece um texto só para o tema.
Qualquer investigação séria vai mostrar que não houve excesso dos
abusos por parte da polícia militar paulista nas manifestações do
dia 13 de junho – e não falo isso com ironia. O que houve de
excepcional foi a aplicação no centro rico da cidade mais rica do
país do mudos operandi que
essa polícia utiliza nas franjas pobres da cidade – em
Capão, em São Miguel, em outras regiões “esquecidas”. Foi a
atuação banal e costumaz, feita em doses homeopáticas e diárias
contra negros, pardos e pobres, concentrada em uma dose de choque
contra a classe média branca. Nada de extraordinário, apenas a
democratização da repressão.
A
polícia militar, por mais que tente aparentar o contrário, não é
burra. Toda as ações contra os manifestantes, no dia 13 de junho,
dão a clara impressão de premeditação. O que parece ter havido
por parte da cúpula da polícia militar e do governo foram alguns
erros de avaliação na hora de montá-la.
Dizem
as autoridades que havia um pacto com os manifestantes que foi
desrespeitado. As autoridades sabem que há uma diferença grande
entre esse tipo de movimento – quase espontâneo – e passeatas
organizadas por sindicatos e outros órgãos para-estatais de
controle da ordem. As tais lideranças o são porque haviam feito a
chamada para o ato, não porque têm qualquer ascendência sobre
supostos subordinados. Esse tipo de pacto, se feito, teve o único
intuito de servir de álibi para a ação da polícia.
Polícia
que demorou para agir, a crer na versão oficial – e não porque
fosse possível qualquer negociação – já que os manifestantes
não deveriam parar a Consolação. Como comentei no relato do que vi
na manifestação [http://j.mp/cG19DMp]: eu estava na linha de frente
quando o choque interveio. Antes dele, no máximo uma dúzia de
policiais militares fazia a contenção, na altura da Consolação
com a Maria Antônia e Caio Prado. Uma dúzia de policiais militares
para fazer a contenção de milhares de manifestantes é uma
provocação, é um convite a “passem por cima, por obséquio”.
Aconteceu que os manifestantes não fizeram esse favor. Foram longos
e tensos minutos em que os manifestantes ficaram parados, gritando
“Vamos pra Paulista”, mas sem avançarem de fato. Mesmo sem
justificativa, o choque resolveu agir – “ataque preventivo”,
como poderiam justificar depois, com ajuda de Datenas da vida.
Oficialmente, a ordem era impedir que bloqueassem a Paulista – e
conseguiram: quem a bloqueou foi a polícia, como seguiam
interditando o centro da cidade, mesmo com os manifestantes bem
longe.
Pela
violência inaugural da polícia militar, pode-se supor que o plano
era não apenas dispersar os manifestantes, como esperava-se que boa
parte deles desistisse e fosse embora – restando alguns mais
“valentes” para tomar porrada sob a justificativa de vândalos.
Realmente, ouvi algumas pessoas, logo que a polícia começou a
vandalizar, que iriam embora. No Fakebook uma amiga se desculpava por
ter feito o mesmo: justificou que temia pela sua segurança. A grande
maioria, contudo, permaneceu. Primeiro erro de avaliação das
autoridades.
Por
falar em vândalos, um parágrafo à parte. Sempre foi essa a
justificativa para deslegitimar todo o movimento. Do outro lado,
tentava-se argumentar que era uma meia dúzia que se aproveitava. Até
a intervenção da polícia, era impossível qualquer ato do tipo,
porque quem ousasse vandalizar qualquer coisa, seria impedido pelos
demais manifestantes. Depois da polícia agir... horas há que é
necessário: queimar lixo no meio da rua vira necessidade: é tempo
que se ganha para fugir da truculência. O grosso da “depredação”
dos bens públicos e privados, contudo, não viria daí, e sim de
vidros de estações e bancos quebrados. Começa que ação contra
coisas é bem diferente do que contra pessoas – um vidro troca-se,
um olho, não. E é de se questionar o quanto isso é feito por
manifestantes mais exaltados. A polícia já havia avisado que poria
policiais à paisana na manifestação – oficialmente para filmar e
identificar esses “arruaceiros”. Contudo, quando filmam um
policial fardado quebrando o vidro da própria viatura – não fosse
a gravação e depois seria apresentada como outra prova do
vandalismo que justificaria a ação violenta da polícia –, não é
preciso nenhuma teoria conspiratória para saber que os policiais à
paisana não estão para filmar, mas para exaltar ânimos, quebrar
agências e estações – no mínimo metade é ação deles –,
tacar a solitária pedra que vai justificar o avanço animalesco da
polícia (este último exemplo não me refiro à manifestação do
dia 13).
O
terceiro erro de avaliação foi que a Grande Imprensa apoiaria a
ação incondicionalmente – em editoriais, os mui democráticos
Folha e Estadão já haviam pedido ações mais enérgicas contra os
manifestantes. O problema é que a Grande Imprensa notou que não
poderia distorcer os fatos o quanto precisaria, e que a população
começava a formar uma opinião independente sobre as ações da
polícia. A enquete no programa do Datena, perguntando se o
espectador concordava com aquele tipo de protesto, e com ampla
maioria do sim era uma mostra ao vivo disso (depois a pergunta foi
alterada para “protesto com baderna”). Bater frontalmente com os
espectadores seria admitir sua parcialidade, sua mentira – tiveram
que recuar, em nome do que chamam de “credibilidade”. Segundo
erro de avaliação foi da mídia, ao achar que o espectador seria
refém da sua versão, custasse o que custasse.
A
pancadaria democrática do início do protesto foi abusada até o
final e depois dele. Como também comentei em meu relato, a Paulista
já fluía normalmente e do outro lado da rua, vi três homens serem
atacados por três bombas da polícia – qual a necessidade de
dispersar uma “multidão” de três pessoas? O objetivo dos
“excessos” mesmo sem a menor justificativa parece ser amedrontar
os manifestantes para o próximo ato – não funcionou agora, mas no
próximo... É esse o caso dos tiros em jornalistas, mais no fim do
protesto. Segundo a jornalista da Folha – que tem a versão mais
plausível – o policial mirou nela e atirou: estava num
estacionamento, não havia manifestação, nem manifestante por
perto. Curiosamente no olho – único lugar que uma bala de borracha
pode causar um estrago mais grave à pessoa. Curiosamente, não houve
manifestantes com esse azar, e sim profissionais da imprensa: um
manifestante poderia ser justificado como “efeito colateral” dos
confrontos, que não havia essa intenção, que tivera azar – e a
versão da polícia militar e do Estado predominaria. Contra alguém
da imprensa, a versão da polícia fica sob suspeição – inclusive
porque o tiro foi dado quando o clima estava mais ameno, numa rua que
em nenhum momento foi um dos principais campos de batalha. Foi, na
verdade, um recado para os manifestantes que pretendem ir ao próximo
ato, reforçado pelos discursos das autoridades, do governador
Geraldo Alckmin, inclusive: quem aparecer segunda vai se machucar,
vai perder o olho, vai estar com a vida em risco – afinal, “quem
não reagiu está vivo”, e isso vale pra “bandido” quanto pra
“baderneiro”.
Arrisco
afirmar: esse é o quarto erro de avaliação das autoridades:
segunda-feira poucos, pouquíssimos vão ficar em casa por medo do
que aconteceu no dia 13.
São
Paulo, 15 de junho de 2013.
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