segunda-feira, 2 de setembro de 2024

A tensão está no ar e nossa reação não tem sido apropriada

Ao caminhar pelo centro e pegar transporte público em São Paulo, dá para notar que os tempos não andam bons. No metrô, praticamente a cada duas semanas tenho pelo menos um atraso na minha viagem, por conta de usuário na via - e faço cerca de 15 viagens por semana. Pelo centro, presencio discussões e brigas toda semana, mais de uma, às vezes. Há uma tensão geral, uma pressão difusa, que não tem encontrado uma válvula de saída que não a violência bruta (contra si ou contra alguma outra pessoa, não raro alguma minoria). 


A violência desta semana começou cedo, já na segunda-feira, a caminho do trabalho. Na rua Direita, uma pessoa grita: “Se uma bicha estivesse te comendo você não estava me enchendo, sua maricona nojenta! Chama a política porque eu dei na tua cara, chama, seu homofóbico!”. Só então reparo que a pessoa que grita é uma transexual de poucas posses. O carro da polícia passa, o homem - também ele de poucas posses - não fala nada, e eu sigo meu caminho sem ver se a primeira pessoa tentou fazer valer seu direito - mas acredito que não: por ser trans e pobre, a PM não vai se incomodar com “apenas” um caso de transfobia na rua.

Isso me fez lembrar de uma das últimas postagens que vi no twitter, um fio com fascistas apanhando após agressões racistas.

Reconheço ter um certo regozijo em ver as imagens desse tipo de gente apanhando - ainda que eu sinta falta da força da lei aparecer logo em seguida para autuar o racista. Contudo, há um lado profundamente triste nessas cenas também: fico a imaginar quanto essas pessoas que reagem a (mais) essa agressão já não sofreram. Para chegar no nível de raiva que o fio apresentava, dificilmente vai ser uma provocação isolada que servirá como disparador: é uma vida toda de preconceito e racismo, descontado em um gesto, e que pouco servirá para evitar agressões futuras - mesmo para reparar alguma agressão passada.

Um dos fatores de crescimento da extrema-direita é justamente ser capaz de identificar essa raiva sob pressão e dar vazão a ela, ainda que da forma mais tosca, mais bruta, menos elaborada -, como violência pura e simples. As esquerdas seguem sofrendo em dialogar com afetos políticos dessa natureza, seguem atuando na base de racionalidades política (no sentido amplo de política) que remetem a Rawls, em que se pode tolerar os extremistas porque com o tempo eles “caem” para o centro; ou à Grécia antiga, identificando o bom, e belo, o justo e o verdadeiro - como se uma pessoa ser de extrema direita fosse um problema cognitivo ou de educação, como disse (por outros termos) Boulos no Flow, e não uma questão de posicionamento perante o mundo, muitas vezes muito bem informado -, bases que se mostram cada vez mais caducas nos tempos atuais. Não se trata de negar ou tentar esvaziar essa raiva, mas canalizá-la para mudanças sociais via processos não fascistas (que inclui a violência bruta e o rebaixamento do outro).

Ou as esquerdas aprendem - e logo - a analisar e se movimentar nestes tempos, ou fenômenos políticos como o capitão expulso do exército e o coach da montanha serão cada vez mais fortes.


02 de setembro de 2024

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Um trauma chamado restaurante por quilo do centro [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]


Faz um bom tempo comentei que costumo ter minhas três opções de almoço, ainda que o centro tenha centenas de restaurantes, os mais variados - ao menos aparentemente. De lá para cá, pouca coisa mudou: sigo frequentando duas das três casas de pasto referidas dois anos atrás, tendo substituído a terceira. Sou uma pessoa de hábitos. Vez ou outra cedo às pressões de Macedo, meu nobre colega e companheiro de almoços, e vamos a algum lugar diferente - ou mesmo ao terceiro restaurante de antanho, só para confirmar que segue salgado (não falo do preço, que nesse sentido se aplica só à sobremesa do local).

Nessas variações, acontece de irmos a algum restaurante por quilo do centro. E até hoje,  tem sido sempre uma decepção. Mais que isso, já se transformou num trauma. Um trauma reiterado a cada padaria que serve almoço, a cada portinha de sobrado com uma escada para um grande salão, a cada restaurante e lanchonete apertada. 

Existem basicamente três tipos de restaurantes por quilo no centro.

O primeiro são uns que tem pela cidade toda, a mesma apresentação visual, o mesmo preço, a mesma comida salgada, muda só o nome e o endereço.

O segundo são os baratos: tem um bifê (ou buffet, como preferem os chiques) com poucas opções, saladas desmilinguindo de tão cozidas, arroz, feijão, macarrão e a maior variedade é de frituras.

Por fim, há os por quilos caros e que parecem bons, alguns até tentam parecer chiques: os pratos (aqui me refiro ao utensílio) são enormes, para perdemos a noção do quanto estamos pegamos, bifê amplo e sortido, tanto nas saladas quanto nos pratos quentes, e churrasco (bregamente chamado de grill) também com muita variedade. Dentre esses, tem os que - além do trauma - me deixam puto da vida, porque claramente roubam no peso (a partir dos 400 gramas preciso empurrar a comida, mas nesses como 600 e não me pesa, e não, não é a comida que é leve). Não que os outros sejam honestos (e já vou explicar o porquê), mas esses tem uma desonestidade explícita e que poderia ser enquadrada por uma fiscalização.

Enfim.

Em um dia comum, num desses pseudo-chiques, me sirvo de sushi, ceviche, salada de broto de bambu, de cenoura, de tomate, de pepino e de agrião (pulo as conservas, também fartas), no bifê quente, pego paella, salmão ao molho de maracujá, arroz branco, bobó de camarão, fraldinha ao molho madeira, nhoque, tutu de feijão; na churrasqueira, picanha ao alho, fraldinha e frango. E aí vem o passe de mágica que só esses restaurantes conseguem: praticamente tudo tem o mesmo gosto! O agrião não arde, a cenoura parece um chuchu, o tomate parece a cenoura, o pepino o tomate, e o chuchu, esse eu não peguei para saber se tem gosto de alguma coisa outra. O sushi e o ceviche, por seu turno, se não são de chuchu, eu realmente não sei do que seriam. Nos pratos quentes, alguma diferença no molho de maracujá - ruim -, porque peixe, frango, frutos do mar, carne bovina, tudo tem o mesmo gosto, um indefinido tempero que vale para tudo. Paella, bobó de camarão e molho madeira são a mesma coisa - e ruim! Esses restaurantes parecem bandas de formatura, que tocam de tudo, mas sempre do mesmo jeito, de modo que só quando você escuta a letra (e entende o que estão cantando, porque isso também não é sempre) que descobre se estão tocando Beatles, Nirvana, Beyoncé, Banda Calypso, Leandro e Leonardo, Raça Negra, Titãs, Vivaldi, Shostakovich ou funk pancadão. Aí está a desonestidade do lugar: o vasto bifê não é nada mais que uma versão ampliada e repaginada dos por quilo baratos; se fôssemos dividir por gosto, teríamos umas três saladas, duas conservas e seis pratos quentes (contando o churrasco), no máximo, e raramente seriam bons.

Ainda assim, de vez em quando eu cedo à minha esperança de achar uma casa de pasto  por quilo realmente boa e honesta e às pressões do Macedo, e vou a um desses restaurantes. Sou uma pessoa de hábitos - e reclamar é um deles.


21 de agosto de 2024


PS: Lembrei apenas depois: os restaurantes que querem parecer chique ainda põe azeite de oliva de marcas boas para temperar a salada, mas quando você usa é capaz de sentir o sabor dos oliveirais do Mato Grosso...