sexta-feira, 20 de abril de 2012

O peso de cada dia


Conversava ontem com uma amiga, e ela disse que anda com insônia: acorda às vezes às duas, às vezes às cinco da manhã. Insatisfação com o trabalho – é professora de ensino básico numa escola particular –, crê ela que seja a causa principal do seu problema de sono – se Cartola dizia que o mundo é um moinho, tenho até medo de pensar o que não seria, então, a escola, fábrica de salsichas, como em The Wall, do Pink Floyd (e penso por ora nos professores)?

Lembrei do meu pai, ele também, tem dias que acorda preocupado, antes das seis da manhã; e em períodos um pouco mais pesados que teve, seu desânimo vinha sempre no início do dia.

De minha parte, não tenho problemas com trabalho, pelo simples fato de não trabalhar nem me incomodar com essa situação; nem problemas mais graves. Apenas questões existenciais-banais, em geral com relação ao Outro – minha gagueira, tal como definiu Mishima o que é ser gago, meu coxear social, como tenho utilizado ultimamente. Tampouco tenho problema com sono – eventualmente pra acordar, mas ando abusando na hora de me deitar, admito. O curioso, contudo, é como os extremos do dia me são pesados – não sempre, é claro –, por mais que consiga passá-lo leve. O dia por vir, o dia que passou, e alguma falta, um vazio que persistiu, por mais que o dia tenha sido mais do que ocupado, agradável, farto – feito de descobertas, de perdas, de perder-me e descobrir-me, de novidades, de satisfações pequenas (e não tão pequenas) que eu carecia não sabia o quanto, quando morava em Campinas. Tem momentos que acho que é o preço que pago por não me prender a uma dessas âncoras sociais firmes, fortes e bitoladoras – religião, crença numa verdade política compartilhada, exoterismo –, e ter a liberdade de olhar para frente e para trás e pesar o que fiz ou pretendo fazer – ou o que não fiz e, por mais que queira, pretendo deixar de fazer.

Relendo os originais (ou seria ainda o rascunho?) de uma novela que escrevi há pouco mais de um ano, um dos personagem dizia, num existencialismo de botequim, que encarar a vida de frente era "se deparar com a angústia pela manhã, a nulidade à noite, e saber criar nesse intervalo, com o pouco de liberdade que nos cabe, a felicidade." Quem sabe minha grande questão do momento seja: estarei mesmo aberto – e não digo racionalmente, mas inconscientemente – para inventar e construir essa tal felicidade que me apraz e que anseio e desejo?


São Paulo, 20 de abril de 2012.

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