Sobre as novas acusações de Marcos Valério, divulgadas em manchete
de primeira página pelo jornalecão O Estado de São Paulo, um pouco
de desconfiança não faz mal a ninguém. Não há provas de que
aquilo que o empresário disse à procuradoria-geral da república
sobre o ex-presidente Lula é verdadeiro, mas há evidências
significativas de que existem interesses fortes por trás de mais
esse episódio de tentativa de desmoralização do PT e do
ex-presidente Lula.
Há uma perceptível disputa pelo poder, entre um grupo – não
apenas político – alijado do executivo nacional desde a eleição
de Lula, e o que está no governo desde então. Há quem veja nisso
um cerrar fileiras contra um projeto político do PT de enfrentamento
de desigualdades históricas. Tenho cá minhas dúvidas se se passa
por algo tão elevado – o confronto parece, antes, pelo butim
estatal. E a grande questão que levanto aqui não é a de que o PT
não tenha suas culpas, mas da forma como está sendo tratado em
relação aos seus opositores. Em tempo: se o partido colhe o que
plantou, uma das suas semeaduras foi o republicanismo do governo Lula
na escolha do Procurador-Geral da União e dos ministros do STF (sob
o PSDB fernandista, com Geraldo Brindeiro, Nelson Jobin, Gilmar
Mendes e afins, qualquer suspeita de corrupção do executivo seria
rechaçada).
Ainda que um presidente da República não tenha como saber de todos
os atos de seus subordinados – mas não por isso deva ser isentado
de responsabilidade –, é difícil acreditar que Lula não soubesse
do principal esquema de articulação política do seu governo, que
não o tenha avalizado. Porém, fica a dúvida: por que alguém que
tinha suas contas pagas pelo partido, depois pela presidência –
além do salário –, precisaria de cem mil reais para pagar
despesas pessoais? Não que seja impossível, mas não faz muito
sentido, convenhamos. Os caciques do Brasil desenvolvido, o
sul-sudeste, sabem que podem fazer dinheiro dentro da lei, sem se
exporem a esse tipo de corrupção baixa. Se não é mera bravata,
onde estão as provas? Fazer jornalismo baseado em boatos e ouvi
dizer não soa muito sério.
A explicação para a exposição desse factóide pode estar na
capacidade média de raciocínio de leitores de Veja, Folha, Estadão
e afins. Talvez com as novas denúncias, uma parte da nossa “classe
média ilustrada” (leitora e crente na Grande Imprensa), não
sensibilizada pelos ataques ao partido, se sinta ofendida quando
avisada de que o desvio de recursos era para enriquecimento próprio
do governante. E não é difícil a essa parcela crer que Lula, que
não era professor universitário, mas um ex-operário, tenha desejos
de se tornar milionário a qualquer custo – sabe como é, pobre é
sempre suspeito.
O novo herói da ética no Brasil, o presidente do STF, Joaquim
Barbosa, foi interpelado sobre as denúncias. Mesmo admitindo que só
as conhecia oficiosamente, cedeu e admitiu que elas precisam ser
apuradas. Pode ter sido ingenuidade do magistrado. Isso pouco importa
à Grande Imprensa, que pôs em sua boca, na capa do jornal, que ele
“quer Lula investigado no mensalão”.
Trata-se de mais um episódio da verdadeira disputa atual da política
tupiniquim – evidente mas velada –, que passa por um
pseudo-combate à corrupção. Já disse alhures: se o interesse
fosse mesmo por moralizar a administração pública, junto com a
discussão de episódios, deveria ser levantado também
(principalmente) a questão do nosso sistema político e de
representação, de como está estruturado. As relações entre
interesses públicos e interesses privados, as relações entre
executivo e congresso nacional, as relações entre Grande Imprensa e
grandes interesses. Apontar o dedo para Dirceu ou Lula, responder
apontando o dedo para Azeredo ou Perillo, nada resolvem – antes
colaboram para a descrença na política institucional –, são
apenas condições iniciais para um debate, muito longe de qualquer
mudança efetiva na prática da corrupção no país. Não é
arranjando julgamentos com eleições que se vai moralizar a política
– mas é arranjando reportagens em grandes revistas que se cria
políticos moralizadores de fachada (a interesse de quem?).
São Paulo, 12 de dezembro de 2012.
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