Um espetáculo solo numa coreografia que pretende tratar do encontro
amoroso, da relação com o Outro. Soa curioso, mas a escolha de
Sílvia Geraldi em Todas as tardes está longe de qualquer
absurdo: podemos até ser uma inexperiência crônica na arte da
conquista (como este que escreve), porém estamos longe de sermos
virginais no encontro com o Outro: seríamos antes síntese dessa
infinidade de encontros que foram nos formando, conformando,
transformando no correr da vida, desde (via de regra) o encontro com
o Outro-mãe.
Encontrar o outro é perder-se um pouco de si. Contudo, perdido de si
é possível encontrar o Outro? Essa perda que parece tão
sintomática da atualidade. Que encontros nos permitem as receitas
dos manuais de sedução, que “dão dicas” (porque “ensinar”
seria chamar claramente o leitor de ignorante) de flerte, de postura
corporal, de frases-chave, de olhares cronometrados?
Não há muitos elementos de palco em Todas as tardes:
um gravador portátil e três molduras de tamanhos variados, com
rodinhas – com as quais Sílvia interage em alguns momentos. Numa
dessas interações, com a moldura um pouco mais larga e alta do que
ela, põe-se a correr com o acessório, deixa se levar por ele,
apóia-se nele como se apoiasse no ombro de alguém – e a moldura
escapa, evitando a entrega completa. Ao fim, dançarina e
Outro-moldura acabam frente a frente, como em um espelho: encarar o
Outro talvez seja encarar o reflexo de si mesmo. E Sílvia hesita se
deve atravessar esse espelho: seria que isso seria a superação de
si em direção ao Outro? Ou seria o consumo de si pela própria
imagem? Seria o enquadrar-se? Ou seria a descoberta que para além
não há nada – ao invés de um país maravilhoso, o deserto do
real? Sílvia atravessa para logo retornar, desencontrada.
Táticas de guerrilhas, gestos
ensaiados, ordens de não planeje como conduzir a conversa a
abordagem: a exigência de confiança e firmeza, e a realidade de
hesitações e insegurança. O fato da intérprete não ser uma jovem
reforça a sensação de que não há fórmula pronta, de que cada
encontro é um ato solitário de atirar-se até o Outro – ou pode
ser um estar sozinho a dois, como diante da imagem fria no espelho.
São Paulo, 02 de fevereiro de 2013.
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