Não
é por causa da internet, vem de antes da pseudo-ágora virtual a
necessidade comum de logo classificar para defender ou execrar. Com a
internet, em que assuntos se tornam ultrapassados muito antes do soar
da meia-noite e em que o senso-comum é tido como opinião,
preconceitos e visões de mundo pré-determinadas se alastram como
fogo em pólvora e ganham poder avassalador. Assisti ao episódio do
programa Pânico em que ocorre a polêmica com o dramaturgo Gerald
Thomas, crucificado em praça virtual por machismo. Fui um desses que
o criticou [j.mp/cG14413g]. Não retiro tudo o que disse, mas me
retifico.
Mantenho
o que comentei sobre o texto em que se defende dos ataques: nele,
Thomas, além de se mostrar inábil, proporcionou uma demonstração
de machismo ilustrado, repetindo idéias precárias, como a de que
mulher que se mostra é porque quer ser abusada ou de por serem
amigos não há abuso. Menos mal que na sua precariedade
argumentativa Thomas nos ofereceu essa demonstração de preconceitos
que não são exclusividade dele. Fosse um pouco mais esperto, ele
precisaria apenas narra a cena para explicar que as fotos dizem mais
do que realmente houve.
Como
já havia dito na outra crônica, Pânico já é violento. No
episódio polêmico, colocaram a paniquete para estrear como repórter
no programa, e ela faz bem feito a cena de repórter inexperiente e
burra – pode ser que lhe falte o traquejo dos demais, porém são
erros por demais grosseiros para alguém formado em jornalismo
(segundo a Wikipedia) e que circula pela mídia há um bom tempo: não
segura o microfone direito, deixa sobrar um silêncio chato, erra
nomes, erra informações. É o lance do humor do programa, bem
fraquinho, explorando ridículos e vexações.
Antes
de chegar a Thomas, logo no início do quadro, a verdadeira cena de
machismo por parte de um dos entrevistados: o presidente da
Mangueira, Ivo Meirelles, tão logo encontra a paniquete, trata de
abraçá-la e passar a mão – “ai, ai, esse presidente é
danado”, diz a apresentadora em sua voz nasalada. Depois, nas
entrevistas com “pessoas comuns”, nas ruas, o show de machismo
para justificar a polêmica: homens defendendo o “metia a mão
mesmo”: Thomas não teria feito nada diferente daquilo que os
espectadores do programa fariam, logo, é legítimo (para constar, há
opiniões contrárias também). Mesmo o doutor em psicologia posto
pra falar sobre a polêmica dá a entender que o que o dramaturgo fez
(dentro do contexto de que seria um abuso) foi compreensível,
afinal, sabe como é, os instintos, e a ex-musa do Paraná Clube é
gostosa mesmo...
À
cena com Gerald Thomas, enfim. Os apresentadores do quadro se
aproximam, Thomas reclama da presença: “já fizeram isso em São
Paulo”, mas entra na brincadeira, finge bravo, querer esganar o
apresentador. Dentro da ceninha, Thomas (autor, diretor e ator do
Pânico) pede arrego, ajoelha, tenta abrir a braguilha do
apresentador – “agora são vocês que estão em pânico?” –,
depois tenta com a outra apresentadora, uma travesti. Já em pé, o
apresentador pede ajuda ao dramaturgo, introduzindo a paniquete: “é
a primeira vez dela aqui, como repórter”, ao que Thomas responde:
“peraí, deixa eu ver o sexo real dela”. Está no contexto, estão
falando em “primeira vez” e, como Thomas fala em entrevista no
programa, tanto a travesti quanto a moça tem o sobrenome “balls”
(o da paniquete é Bahls, mas a sonoridade é igual), dá mesmo para
desconfiar que possa ser outra travesti – está atrasado quem acha
que travesti é só aquela figura de traços grotescos facilmente
identificável. Inclusive, o repórter do programa, ao notar certo
exagero, tenta, mesmo que timidamente, deter o avanço do dramaturgo
– diferentemente do que pré-julgou Nádia Lapa em seu texto, pelas
fotos. A cena, portanto, em seu contexto, não me pareceu machista. Antes do
assédio à paniquete, houve também com o homem e com a travesti, e
não vi grita contra isso – dois pesos duas medidas?
Se
reafirmo o texto de Thomas machista, e sua postura absolutamente
conformista, diferentemente do que ele acha, preciso concordar com
ele quando critica seus críticos: há uma forte dose de moralismo
nisso. Moralismo e preconceito. Na ânsia de novos motivos para
refazer uma crítica que é antes um papagaiar, atropela-se os fatos,
o contexto, prega-se uma seriedade absurda – esse politicamente
correto de ressentidos, que tem dificuldade em lidar com o que escapa
dos delimitados e que se desconcerta quando se foge da seriedade por
ele pregado. Ratifico que essa polêmica toda abre a possibilidade de
uma discussão mais aprofundada sobre o machismo em suas filigranas,
para além da violência explícita. Porém, também defendo
deveríamos aproveitar a oportunidade para repensar esse policiamento
apressado em defender seus pré-conceitos: no fim, esse tipo de
atitude apenas dá razão para “pensadores” como Pondé, Jabor e
outros desse quilate desacreditarem aqueles que se põem críticos do
status quo.
São
Paulo, 18 de abril de 2013.
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