Conhecia os cinco continentes,
ainda que não considerasse passar uma semana em Bali como ter
conhecido a Ásia. Achei curiosa sua noção conhecer: não que não
fizesse mochilões, mas sabia que bater o pé em uma cidade, sem
sentir minimamente o aroma do seu quotidiano, não era conhecê-la.
Havia ido em trabalho voluntário para Botsuana. Havia trabalhado no
Grajaú. Destinos que chocam o interlocutor, quando se sabe que ela
estudou nas melhores e mais quadradas escolas da capital - imagino,
então, as pessoas próximas, mais afim aos valores que tais escolas
ensinam. Ao fim do ensino médio, sem idéia do que fazer ou do que
gostava, seguiu uma carreira tradicional em uma faculdade
tradicional, como a grande maioria dos seus colegas - administração
na FGV. Só depois se deu conta de que gostava de trabalhar com
crianças. Fez pedagogia em uma faculdade perto de sua casa. Começou
em uma escola bilíngue, por saber inglês; hoje leciona em uma
escola socio-construtivista - reconheci minha escola do básico em
várias coisas que ela comentou do seu trabalho. Não tem o jeito de
"tia", que muitas vezes vi nas estudantes de pedagogia. Não
tem o amargor que a grande maioria dos meus amigos que foram ser
professores têm depois de menos tempo de trabalho do que ela -
talvez por ter tido a sorte de não acabar em uma escola moedora de
carne e idealismos, seja pública, seja privada. Bem provável que se
tivesse seguido sua primeira carreira, hoje estivesse ganhando melhor
do que ganha - ainda que não aparente passar privações. Desconfio
que essa mudança de rumo para uma carreira tão desprestigiada não
tenha sido tão tranqüila para quem teve o histórico que teve -
desde sempre uma aluna bem adaptada. Ela, porém, não contava sua
história com o peso dos grandes abandonos. Contava com a leveza das
pequenas descobertas. Contava com a tranqüilidade de quem agiu e não
só teorizou, enfrentou o mundo, e agora quer dar continuidade à sua
mudança. Me lembrou Mia Couto: “Que
o mundo não mudaria por disparo. A mudança requeria outras
pólvoras, dessas que explodem tão manso dentro de nós que se
revelam apenas por um imperceptível pestanejar do pensamento”.
São Paulo,
10 de março de 2014.
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