Sem nunca
ter feito uma enquete entre conhecidos, nem lido alguma pesquisa
pseudo-científica no site de tranqueiras do Dimenstein, acredito que a maioria
das pessoas dê mais bolas-fora do que bolas-dentro, pela razão simples de que é
mais fácil desagradar e falar mal que o inverso. Assim sendo, imagino ser parte
da maioria – inclusive um pouco acima da média, por ser um tagarela. E com toda
essa prática, fui me escolando na arte de bolas-fora, ou melhor, de como não
piorar a situação: aprendi a nunca tentar desconversar, “não era bem isso que
eu queria dizer”. Ah, não? Então por que disse? “É... veja bem...”. Veja bem
nada! Prefiro reafirmar e tentar suavizar a frase mais impactante recém-dita. Lembro
de quando conversava com uma amiga, início do século, sobre as negociações
iniciadas pelo Brizola, para fundir o PDT com o PTB: "Mas antes tem que
limpar o PTB daquela catrefada", ao que minha amiga me lembrou que seu pai
era do PTB. Ui! Não foi isso que eu quis dizer? Foi sim, por isso disse! E
agora, José? Pensei rápido: "Pois, então, você sabe melhor do que eu que o
PTB tem muita gente que não vale", "sim, mas isso qualquer partido
tem", "sim... mas o PTB tem uns de um nível que não se encontra no
PDT", "é... verdade", deu ela o braço a torcer, talvez não de
toda convencida, mas não de toda ofendida, pelo menos.
E me dou
conta enquanto escrevo esta crônica: pelo tanto que sou tagarela, também deveria
dar mais bolas-dentro que a maioria das pessoas. Isso, contudo, não me sói acontecer.
Talvez porque antes de bola-fora ou bola-dentro, eu tenho a impressionante capacidade
de errar o pé da bola – nestas questões até mais que no futebol (por sinal,
aceito convite para jogar bola, se for algo mais suave, em que pernas-de-pau
são aceitos e correm o risco de ser um dos melhores em campo). É... talvez pior
que bolas-fora é errar a bola. Tenho exemplos que só não me deprimem porque
levo pro anedótico – principalmente em bolas levantadas por mulheres. Enfim.
Contava a uma amiga, depois de assistirmos à peça Oe, do Eduardo Okamoto
(recomendo muito!), da vez que voltava de São Paulo, onde fazia o mestrado,
para Campinas, onde morava, de carona com uma aluna de ciências sociais, a Dani
– que, apesar de colega de curso, eu desconhecia. O papo fluía bem, interessante,
ela, super gente fina. Em algum momento, encetamos uma conversa amarga sobre a
Unicamp - a essa altura eu já estava super saturado daquela Terra do Nunca. Ela
contou de como se desiludira do movimento estudantil tão logo entrara, ao dizer
que não iria comparecer a uma assembléia por ter que trabalhar (afinal, precisava
ajudar a fechar as contas de casa), e foi chamada de “burguesinha” por um
desses alunos que ganham tranqüila mesada dos pais (nada contra), são "de
esquerda" (nada contra ou incompatível) e, mais que isso, se crêem
proletários marxistas porque leram o Manifesto Comunista (ou estão lendo), porque
os amigos (também marxistas) os chamam assim e porque sonham com um mundo mais
justo, onde haja playstation e sucrilhos para todos. Logo adentramos (eu
adentrei) no assunto Instituto de Artes, e falei com minha tradicional ênfase
da profunda indignação com a qualidade das montagens que os alunos apresentavam
- via de regra rasas e apelativas, ou adaptações muito mal feitas de grandes
obras (por não conseguirem montar um Beckett, um Pirandello, um Tchekov “quadradinho”
e aí apelarem para invencionices?). Eu segui com minha verborragia contra o
curso, questionando como tinha acontecido de sair coisa boa daquilo, como a Boa
Cia ou o Eduardo Okamoto. Sobre este, eu havia visto duas peças, Agora e na hora de nossa hora e Eldorado, e ficado impressionado com o
trabalho de corpo (e de olhos) do ator. Fui falando, ela foi deixando eu falar.
Foi só perto do fim da viagem que ela soltou um "que legal que você
gostou!", e contou que era produtora e companheira dele (vulgo esposa). Fiquei um pouco
encabulado, mas aliviado de ter pego carona com ela e não com alguém próximo,
por exemplo, da professora do IA que montou As
Rãs, do Aristófanes, como se fosse uma tragédia grega (merecedora, na
época, de raivosa crítica deste escriba). Apesar de ter dado um bola-dentro, acostumado
com bolas-fora, ainda tentei me justificar – é capaz de, pego despreparado,
tenha até começado com “veja bem, não foi exatamente isso que eu quis dizer...”
19 de
junho de 2015
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