Pouco
depois da esquina da Albuquerque Lins com a praça Marechal Deodoro,
cinco seguranças do Metrô cercam um homem. Um deles o segura pela
blusa, como se fosse para deixá-lo pendurado; parece um gesto de
desenho animado, mas não tem graça nenhuma - não para mim. Pessoas
assistem à cena - bem próximo, um homem grava com o celular. Penso
que a câmera evitará excessos de excessos - porque há claramente
um excesso na abordagem, que não é assim encarado por eles,
conforme a tranqüilidade que deixam transparecer. É pouco depois
das dez e meia da noite. Estranho a abordagem na rua. Vejo tênis
celular cigarro e outras pequenas coisas no chão - imagino ser um
pequeno delinqüente. Mais próximo, reparo que há apenas um par de
tênis e o homem está descalço, apenas um celular, uma carteira de
cigarro - são seu objetos pessoais. Ele segue esvaziando sua
mochila, um segurança segurando, os outros ao redor. Ao passar por
eles, ouço um dos cinco dizer: "se você tem bilhete, então
tem que estar em algum lugar". "Eu tenho, deixa eu achar",
gagueja o homem. Tenho vontade de intervir e perguntar o que está
acontecendo para aquela cena deplorável. Desisto: não sei quais
meus direitos de cidadão (a plena publicidade de direitos e deveres
como condição necessária para a democracia ainda é piada de mau
gosto nestes Tristes Trópicos), não sei quem são os seguranças e
não tenho mais meu contato quente dentro da companhia, que poderia
descobrir quem eram eles na manhã do dia seguinte. Em compensação,
sei de seguranças que cospem em moradores de rua, de segurança que
agride colega no vestiário com o profundo argumento do agredido ser
um "esquerdinha de merda", de segurança que lamenta não
poder descer borrachada indiscriminadamente, como antigamente - até
por medo de perder o emprego ao ser pego por uma câmera de segurança
-, e agora se restringe a rezar para que algum careca dê uma lição
nos homossexuais que se beijam no Metrô. Sim, sei que não são
todos assim, espero que sejam uma minoria - mas os cinco que vejo me
fazem lembrar desses exemplos nefastos (até dois mil e treze eu
tinha histórias quase que diariamente dos meandros do Metrô -
chefes, funcionários, seguranças, usuários). Os cinco seguranças
do Metrô de São Paulo que humilham o homem na Lins de Albuquerque
aparentam ter a minha idade, se tanto. Seriam meus colegas, se tudo
tivesse corrido bem em agosto de dois mil e treze - talvez um deles
tenha entrado justo na vaga aberta pela minha desistência. São
cinco adultos jovens - minha geração -, brancos - talvez, como eu e
muitos dos meus amigos branquelos, nunca tenham tomado uma geral da
polícia militar por estar andando na rua à noite -, são meros
seguranças de Metrô - não são policiais militares, não são
seguranças particulares armados, como os que ficam nas redondezas
Praça Toronto; não são seguranças de igreja evangélica, de quem
não se espera outra atitude (ainda que haja). Eles estão, se
escutei a verdadeira razão da cena, humilhando uma pessoa porque ela
passou a catraca sem pagar - como se um, dez ou mil passageiros a
menos por dia fosse fazer qualquer diferença no orçamento da
empresa, que arrecada majoritariamente com publicidade. Certo, é seu
emprego, e podem achar que é o correto cumprir seu dever com total
diligência: mas eu questiono sé é preciso mesmo esse pretenso
rigor - tolerância zero - contra alguém que não pagou o passe,
enquanto nos subterrâneos eletrificados da cidade há homens que
abusam de mulheres, pessoas que cometem pequenos furtos (um passe não
faz diferença ao Metrô de São Paulo, mas cinqüenta reais podem
ser a quebra do orçamento do mês de um trabalhador precarizado),
assaltos a mão armada (um padre foi baleado na linha azul na semana
da parada gay), grupos intolerantes que agridem pessoas por serem
diferentes (já que os seguranças não podem mais)? "Pretenso
rigor" porque ali não há rigor, porque rigor significa
intransigência, e os cinco seguranças do Metrô de São Paulo
transigem, transgridem todas as suas atribuições ao humilhar uma
pessoa, dez e meia da noite, na rua - seria medo das câmeras de
segurança? E ao humilharem uma pessoa, pouco importa o motivo: do
quase nada que sei dos meus direitos, sei que o artigo 1º inciso III
da Constituição Federal de 1988 garante "a dignidade da pessoa
humana", sem condicionantes. Em tempo, não sei se era preciso
comentar: o humilhado tinha dois antecedentes criminais: era preto e
pobre.
18
de junho de 2015
Não custa lembrar que o exemplo e a legitimidade vêm de cima. |
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