Em meio ao país em
fervura por conta do golpe (eufemisticamente chamado de impeachment),
destaco dois exemplos vindos do mundo artístico.
O primeiro é de Mônica
Iozzi, atriz da rede Globo (um dos poucos artistas que sei
identificar, por termos freqüentado a Unicamp na mesma época).
Confesso que fiquei surpreso com sua atitude: depois de trabalhar com
um dos neofascistas mais velhacos da Grande Imprensa brasileira e se
tornar uma das mais queridinhas da rede Globo, a atriz preferiu pôr
em risco seu futuro na televisão e enfrentar a opinião dos
patrões, não somente ao participar de vinheta chamando para os atos
pela democracia e contra o golpe, realizados dia 18, como chamando a
atenção de seus seguidores do Tuíter para a precariedade da opinião senso comum brasileira, formada com apenas de manchetes do jornalismo viciado da rede Globo. Por ser uma
artista ainda em início de carreira e no seu ápice, sua atitude
denota não apenas sua gradeza como a situação avançada em que o
golpe se encontra.
O segundo exemplo é do
também global Cláudio Botelho, que após criticar a presidenta e o
ex-presidente em meio à apresentação "Todos os musicais de
Chico Buarque em 90 minutos", foi interrompido aos gritos de
"não vai ter golpe" por parte da platéia, no sábado. O
Estadão noticiou a reação vinda da platéia como fruto de um
grupelho que havia ido com a clara intenção de perturbar a peça.
Pelos vídeos divulgados na internet, percebe-se claramente que não
é um grupo que grita contra o golpe, mas quase metade da platéia.
Em condições normais, eu criticaria um espetáculo ser interrompido
por discordância política. Como estamos em uma condição
excepcional, o ato muda de perspectiva. Vejo a reação do público
mineiro como conseqüência direta dos atos de sexta, que
demonstraram que os opositores ao golpe são a maioria da população
(como disse, o ato deve ser comparado ao pró-golpe de quarta, e não
ao de domingo), e que podem (e devem) manifestar sua posição sem receio de
serem encurralados e agredidos pelos demais, acusados de párias que rompem a
harmonia social. É também uma reação contra o monopólio da
narrativa do golpe por parte da Grande Imprensa: tivéssemos uma
imprensa plural, que permitisse a voz aos diversos atores e setores
sociais, as vaias seriam um ato autoritário - na situação de
monopólio da mídia, foi, pelo contrário, um grito pela democracia
e contra o totalitarismo autoritário-midiático. A imprensa, claro, vai
utilizar o episódio de Botelho como combustível para incentivar
ainda mais o ódio dos neofascistas que se comportam como verdadeiros
camisas negras do "morolismo global", e amedrontar uma
classe média indignada, que é técnica, só tem técnica dentro da
técnica, e fora disso é tola - com todo o direito a sê-lo, é
certo, mas que não se sabe parva e mera massa de manobra.
Infelizmente, apesar
das reações dos artistas e do público, o ódio tende a crescer
enquanto a narrativa golpista seguir impingindo a dicotomia PT x
moralidade. Ideal que se consiga mostrar que a questão é muito mais
complexa, mas se conseguirmos fazer entender aos que se informam pelo
JN que o que está em jogo é o Estado Democrático de Direito, e se haveria um dicotomia
seria entre democracia liberal-burguesa x golpe autoritário
midiático-judicial, já será um grande passo nestes tempos de cólera e cegueira.
21 de março de 2016.
PS: ia publicar este
meu texto quando vejo que Iozzi cometeu o equívoco de dar entrevista
à imprensa golpista - no caso, a Folha de São Paulo -, que não tem
nenhuma ética e distorce falas ao sabor dos seus interesses.
Reproduzo seu comentário:
A Folha de São Paulo publicou hoje em seu site uma entrevista feita comigo há alguns dias. Acredito que a edição feita pela repórter não deixou minha opinião clara o suficiente. Por isso, segue abaixo o conteúdo da entrevista feita por e-mail na íntegra.
1) Você é praticamente uma unanimidade entre os telespectadores da Globo e os usuários das redes sociais. Teme que demonstrar seu posicionamento político - ainda que não partidário - possa te prejudicar?
Não. Me sentiria prejudicada se não pudesse expor o que penso. Não posso deixar de me pronunciar só porque trabalho na TV. Sei que muitas vezes serei mal interpretada, principalmente num momento como este, em que o país parece estar dividido apenas entre "coxinhas" e "petralhas". Precisamos parar de nos comportar como torcidas organizadas de futebol e aprofundar a discussão política no Brasil. Participei do vídeo convidando as pessoas para as manifestações deste dia 18 com este intuito. Mas é preciso deixar claro que a ideia não é abonar as ações do PT. A ideia é cobrar que TODOS OS PARTIDOS sejam investigados e julgados de maneira clara, imparcial e justa. E que a imprensa divulgue da mesma maneira as acusações sofridas pelo PT, PSDB, PMDB, etc. O que não vem ocorrendo. Não sou petista, mas não sou cega.
2) Já recebeu alguma advertência ou conselho por parte da Globo a respeito dos comentários que tem feito na internet, sobretudo o que citava o Jornal Nacional?
Não. Minhas redes sociais expõem o que eu penso, de maneira completamente desvinculada da empresa em que trabalho. Usei o Jornal Nacional como exemplo por ser o telejornal de maior audiência do país. Minha intenção ao escrever aquele post foi de questionar como as pessoas vêm se informando. Não sejamos ingênuos. Não existe imparcialidade na imprensa. Todo veículo pertence a alguém ou a um grupo. E estas pessoas tem seus ideais, princípios e interesses. Por isso precisamos nos cercar de toda informação possível. Acompanho Veja, Carta Capital, IstoÉ, Piauí, Folha, Estadão, O Globo, JN, Jornal da Cultura, Jornal da Band, Mídia Ninja, Globo News, Revista Fórum, blogs, etc. Não podemos ser um povo que consome apenas as manchetes. Este debate raso e tendencioso é que vem alimentando a atual atmosfera de ódio, preconceito e intolerância na qual nos encontramos.
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